|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ACONTECE NO RIO
Evento discute antropofagia e globalização
ANNA LEE
da Sucursal do Rio
Os 70 anos do "Manifesto Antropofágico", de Oswald de Andrade, completados este ano, são
pretexto. A discussão sobre os traços antropofágicos da obra de
Tarsila do Amaral, apenas mais
um tema a ser considerado.
O evento "Antropofagia - Releituras" -que acontece até o dia 20
de setembro, no Museu da República, no Catete (zona sul do
Rio)- quer promover uma reflexão sobre a pertinência do conceito de antropofagia no mundo globalizado, diz o professor João Cézar de Castro Rocha, um dos idealizadores do projeto.
A Comissão Uerj: 500 Anos e o
museu são os organizadores do
evento.
"Nos momentos mais importantes de redefinição cultural no
Brasil, a discussão sobre antropofagia sempre veio à tona. Foi assim
no romantismo, no modernismo e
no tropicalismo. Estamos quase
no século 21, me parece natural
voltar ao assunto", diz Rocha.
"Isso acontece porque até hoje o
Brasil não aprendeu a ser antropofágico em seu cotidiano. Nossa sociedade não sabe lidar com as diferenças existentes não só entre nossa cultura e as de povos estrangeiros, mas dentro do próprio país."
Quando se fala em antropofagia,
é impossível deixar de abordar o
"Manifesto Antropofágico", de
Oswald de Andrade.
Afinal, o manifesto -lançado
em maio de 1928 na "Revista de
Antropofagia" e cuja inspiração
imediata veio da tela de Tarsila do
Amaral "Abaporu" (antropófago, em tupi)- preconizava a devoração cultural das técnicas importadas dos países desenvolvidos, para reelaborá-las com autonomia, convertendo-as em produtos de exportação.
"Não há dúvida de que o nome
de Oswald de Andrade é uma referência ao falar sobre antropofagia.
Mas esse conceito faz parte dos
primórdios de nossa história e engloba uma discussão muito mais
ampla", diz Rocha.
Segundo o professor, a associação entre a história do Brasil e a
antropofagia foi selada desde
quando foram veiculadas na Europa do século 16 as primeiras
imagens do Novo Mundo.
Os textos dos cronistas e as cartografias, explica Rocha, retratavam o Brasil como uma grande extensão de terra, cujo litoral era habitado ou por índios que coletavam pau-brasil, para fazer comércio com os europeus, ou por índios que coletavam os próprios
europeus para devorá-los em rituais antropofágicos.
"Esses rituais eram baseados na
crença de que, junto com a carne
do inimigo, eram ingeridas também suas qualidades. Muito mais
do que um simples ato de canibalismo, como foi compreendido
pela cultura ocidental tradicional", afirma Rocha.
"I-Juca-Pirama"
Entender o que é antropofagia é,
para ele, sobretudo "compreender profundamente" o poema de
Gonçalves Dias "I-Juca-Pirama",
no livro "Últimos Contos", de
1851.
"I-Juca-Pirama", traduzido literalmente da língua tupi, quer dizer: o que há de ser morto e é digno de ser morto.
Ele ainda cita uma nota de José
de Alencar no livro "Ubirajara",
de 1874, na qual descreveu "com
perfeita vocação etnográfica" o
sentido do ritual antropofágico:
"Ele nada tem a ver com canibalismo, trata-se antes de apoderar
da valentia e do valor do inimigo.
Por isso ele precisa ser um Juca Pirama, isto é, precisa ser um adversário cujo valor o torna digno de
ser devorado".
"A essência do conceito de antropofagia está no relacionamento
do eu com o outro. No mundo
sem limites da era da globalização,
aprender a lidar com as diferenças
entre os povos e assimilar o que
cada um tem de melhor é questão
de sobrevivência. Essa é a discussão que estamos levantando", diz
Rocha.
O evento "Antropofagia - Releituras", além da exposição "Antropofagia?", vai promover conferências e uma mostra de vídeos sobre o assunto.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|