São Paulo, Terça-feira, 14 de Setembro de 1999
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DISCO LANÇAMENTOS

"Geração sertão" ganha reedições cruciais

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Chega de volta, numa daquelas séries econômicas, o grosso da história da música nordestina estilizada/"popificada" que se impôs no final dos anos 70, decaiu nos 80 e vive, nestes 90, uma onda já duradoura de revalorização.
Os artistas contemplados, alguns dos mais importantes dessa leva, são Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Fagner. A série, da Sony, chama-se "Geração Nordeste"; no site de venda de discos da gravadora na Internet, cada um dos 17 títulos custa módicos R$ 6,63.
O lado ruim da coisa vem daí: como a justificar o pouco preço, produzem-se reedições de nível inferior aos piratas de camelô -capas horrendas e adulteradas (há uma reprodução das originais na contracapa, de impressão surrada como nem o mais infame piratão faria), fichas técnicas indecentes. E depois ainda passam lição de moral contra pirataria...
Ainda assim -infelizmente assim-, valem ouro as reedições, pois reexpõem uma das últimas movimentações grupais de personalidade a que o Brasil pós-tropicalista assistiu. O mais sortudo é Zé Ramalho, com seus nove primeiros discos relançados.
Aqui se viaja das maravilhas agrestes de "Zé Ramalho" (78, com "Avohai", "Vila do Sossego", "Chão de Giz"), "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu" (79, com "Admirável Gado Novo", "Frevo Mulher") e "A Terceira Lâmina" (81) à perda de fogo nos ainda dignos "De Gosto, de Água e de Amigos" (85), "Opus Visionário" (86), "Décimas de um Cantador" (87) e "Frevoador" (92).
Entre uma ponta e a outra, estão pequenas surpresas esquecidas, em "Força Verde" (82, que marca o início do "inferno astral" de Zé, sob uma acusação de plágio), "Orquídea Negra" (83) e "Por Aquelas Que Foram Bem Amadas ou Pra Não Dizer Que Não Falei de Rock" (84).
Esse último é um quase manifesto pelo rock brasileiro, ao qual afinal o artista nordestino fora sempre pregado. São definidoras as participações de Wanderléa e Zezé Motta, juntas numa faixa, e de Erasmo Carlos, numa versão de "The Fool on the Hill", obra-prima dos Beatles. O rock de Zé era feito de Luiz Gonzaga, Beatles, jovem guarda e "afro-Brasil" -muito incomum, não?
Notáveis, também, são os volumes dedicados a Geraldo Azevedo e Elba Ramalho -apenas um título de cada um deles, mas representantes dos melhores momentos de suas carreiras.
"Bicho de 7 Cabeças" (79), de Geraldo, é um tratado de delicadeza agreste, de flertes com o sublime em "Táxi Lunar" (parceria com Zé Ramalho e Alceu Valença), "Bicho de 7 Cabeças 2" (cantada com Elba) e "Arraial dos Tucanos" (composta para a trilha do "Sítio do Picapau Amarelo").
Elba, em 1980, época de "Capim do Vale", era uma gritaria só, intérprete descontrolada jorrando ansiedade criativa. Mas era uma legítima intérprete de raiz, extensiva e espantosa na pesquisa de ritmos, gêneros e compositores.
"Capim do Vale" é um songbook da secura do sertão: há flagrantes acesos de Elomar ("O Violeiro"), Zé Ramalho ("Banquete de Signos"), Vital Farias (a genial "Veja"), Bráulio Tavares ("Caldeirão de Mitos"), Sivuca e Paulinho Tapajós ("Capim do Vale"), Mirabô e Capinan ("Fulô da Margem"), mais, claro, Luiz Gonzaga ("Légua Tirana", "Imbalança"). Nossa.
Fagner, por fim, é o canto mais doído da geração sertão. Aqui está o épico "Orós" (77) -em que canta "Cebola Cortada" e não faz concessão comercial qualquer-, mas é privilegiada a fase anos 80, gritada e popularesca, em detrimento dos primeiros anos.
Assim, é de se contentar com "Beleza" (79), o latino "Traduzir-Se" (81), "Palavras de Amor" (83), "A Mesma Pessoa" (84) e a coletânea "Entre Amigos", quase nunca relevantes.
No geral, reaparece no horizonte a ponta do iceberg de uma geração ainda encarada com certa reticência. Continuam submersos (e perdidos por gravadoras várias) Ednardo e o Pessoal do Ceará, Vital Farias, Elomar, Belchior -e, na própria Sony, a muito injustiçada Cátia de França, cantora e compositora de primeira. Um dia todo o gelo derrete.


Coleção: Geração Nordeste (17 títulos)
Artistas: Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Fagner
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 6,63 cada título, na loja virtual da Sony (www.sonymusicstore.com.br)




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