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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Macarena Lobos/Folha Imagem
Mais de mil projetos chegaram às mãos de Elaine Cury, assessora cultural da Brasil Telecom


De cada dez filmes, peças, exposições, concertos a que você assistiu nos últimos meses, é provável que pelo menos cinco tenham levado o dinheiro de alguma das seguintes empresas: Petrobras, BR Distribuidora, Eletrobrás, Bemge, Brasil Telecom, Banco do Brasil, Itaú, BNDES, Correios e Telégrafos, Telefônica. As dez foram as maiores investidoras em cultura em 2002 no Brasil via leis de renúncia fiscal. Só por duas delas, aplicaram pelo menos R$ 143 milhões, ou 10% do orçamento do MinC. Por trás desses números, nomes e leis, há um time de pessoas que têm rosto, história e gostos pessoais.
São diretores de marketing e gerentes de comunicação, que comandam times inteiros cuja única função é analisar, aprovar e rejeitar projetos culturais. Para tanto, seguem editais, regras e outras formas de controle, mas em último caso a decisão final do que vai ou não ser produzido passa por eles. A coluna entrevistou cinco profissionais dessas empresas. Há pouco em comum entre eles. Gostam de Chico Buarque, Woody Allen e Grupo Corpo. E dos projetos que suas empresas patrocinam, claro. Mas algo salta aos olhos, pelo menos nesta amostragem: a aposta é quase sempre no líquido e certo.

Ele tinha R$ 40 milhões em caixa e cerca de 2.700 projetos para avaliar. Desses, escolheu na semana passada os 420 agraciados com parte do orçamento do Banco do Brasil para 2004. Trabalho árduo. "Teve até gente anônima que propôs a construção de museus em sua própria homenagem", diz Henrique Pizzolato, o gerente de marketing do BB.
Formado em arquitetura e urbanismo e pós-graduado em impermeabilização e isotermia, Pizzolato foi transferido da direção de seguridade da Previ para o cargo atual em fevereiro deste ano. Até chegar ao posto, fez de tudo um pouco no banco -"até caixa já fui"-, onde entrou por concurso há 29 anos.
A primeira providência que tomou, assim que foi transferido para a área cultural do banco, foi comprar livros. "Sempre tenho um sobre são Francisco na pasta", diz.
Casado com a arquiteta Andrea, a quem chama de "Baixinha", não tem filhos. "Por enquanto, nós só treinamos", diz ele. Hobby? Viajar. "A Baixinha adora", afirma, apaixonado. Foi com a Baixinha também que Henrique foi ao cinema pela última vez. "Fomos ver "Pão e Tulipas" com duas amigas."
Com senso de humor apurado, não mede as palavras. Conta que, quando fizeram a "irrecusável" proposta de transferência para a área de marketing, ficou preocupado. "Como é que eu, que uso gravata borboleta, vou trabalhar num lugar cheio de veados e vou conseguir explicar que não sou veado?", pergunta.

No dia 30 próximo, a holding Petrobras anuncia o Programa Petrobras de Cultura, que juntará as verbas da Petrobras, da BR Distribuidora e da Transpetro. Não é pouca coisa. A retomada do cinema nacional não existiria sem a BR. Hoje, o comando de fato da área se divide entre o paulistano José Jacinto do Amaral, 42, na Petrobras, e o carioca Sérgio Bandeira de Mello, 47, na irmã BR.
A equipe dos dois soma 28 pessoas e cuida de dinheiro que não acaba mais: R$ 134 milhões, R$ 67,8 milhões deles apenas via principais leis de renúncia fiscal. A meta da empresa para 2004 é unificar as ações e "otimizar os recursos, utilizando inclusive as leis de incentivo estaduais", diz Amaral, jornalista formado na ECA-USP que começou a trabalhar no serviço público em 1983.
Foi assessor da filósofa Marilena Chauí por três anos durante a primeira administração petista em São Paulo (1989-1992), trabalhou com o arquiteto Ricardo Ohtake e na gerência musical do Instituto Itaú Cultural, até voltar como assessor da prefeitura de Marta Suplicy.
A seu lado está Bandeira de Mello, engenheiro civil de formação, especializado em engenharia de petróleo na UFBA e pós-graduado em marketing na USP. Pianista eventual, é autor do romance policial "O Rabo do Bookmaker", ambientado no início dos anos JK, no Rio.
Para ele, que votou em Lula nas últimas eleições, o modelo atual de incentivo à cultura "é inacessível ao artista desconhecido, sem recursos".

A loira Elizabeth São Paulo, idade não-declarada ("mas corro 8 km por dia no calçadão há 20 anos"), comanda de sua sala no prédio-sede do BNDES uma das maiores verbas de restauro de patrimônio público do país. São R$ 10 milhões do banco de desenvolvimento destinados só à essa atividade.
Funcionária de carreira e atual chefe do departamento de comunicação e cultura, fez administração na Getúlio Vargas e mestrado na Federal do Rio de Janeiro. Adora cinema e vai menos ao teatro do que gostaria. "Mas vi "Intimidades Indecentes", com a Irene Ravache."
Deu "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, para os seus filhos lerem e considera "Amor nos Tempos do Cólera", também do colombiano, o melhor livro que já leu.
Os números com que lida diariamente são eloquentes. Em julho último, recebeu 350 projetos de longas, que serão selecionados por uma comissão até o final do ano. Pouco antes, teve de escolher entre 500 músicos e bandas os 40 que participariam das Quintas no BNDES.
"É preciso ressaltar que o modelo atual ainda não foi modificado pelo novo governo, mas ainda assim é um contínuo aperfeiçoamento", resume o incentivo cultural tal como está.

Elaine Cury, 31, passou a adolescência no Baixo Leblon e nas boates da zona sul do Rio. Era figurinha fácil na pista de danceterias da moda, mas agora passa longe das luzes estrobo. Formada em comunicação e direito, já estagiou num dos maiores escritórios de advocacia cariocas antes de ser uma das responsáveis pela seleção dos projetos culturais que ganharão a benção dos R$ 20 milhões da Brasil Telecom.
O critério para a aprovação? "Currículo." E se apressa em explicar: "Não precisa ter um rosto famoso, e sim uma história, algum compromisso com a arte". Em minutos de conversa, dá para perceber seu interesse pela dança. "A-mo as companhias Lia Rodrigues, Quasar e Cena 11", diz, com ênfase no verbo.
Afirma não ter hobby algum. Não vê muita televisão e jura que não sucumbiu nem à novela "Mulheres Apaixonadas", perdição das perdições televisivas. Seu objetivo de vida, no entanto, caberia na chamada do próximo folhetim de Manoel Carlos: "Continuar a ser feliz, custe o que custar".


@ - bergamo@folhasp.com.br

SÉRGIO DÁVILA (interino)
COM CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME




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