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Com documentários, Riefenstahl moldou ideal triunfalista
Manipulação da realidade foi a mais eficiente arma nazista
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
O bigode de Carlitos (que o
tomou de volta em "O Grande Ditador"), os gestos copiados
de um personagem mafioso de
Fritz Lang e um vago ideário wagneriano: Hitler tinha medíocres
pretensões artísticas, mas conseguiu realizá-las na política. Chegou ao poder tratando seus comícios como espetáculos teatrais,
preparando o roteiro e a iluminação, o cenário e a entonação, o
que os políticos sérios não faziam.
Já Leni Riefensthal, morta esta
semana, aos 101, musa de filmes
de alpinismo que alimentaram o
imaginário protonazista e cineasta astuciosa, talvez levasse sua arte
mais longe se não tivesse se metido com política. Amiga íntima de
Hitler, ela o ajudou a desenvolver
a mais eficiente arma nazista: o
documentário de propaganda.
A grande sacada dos dois foi
descobrir que não era preciso
usar trucagens cinematográficas
para convencer os outros: "trucar" a realidade e filmá-la como
um documentário era muito mais
eficaz. Em "O Triunfo da Vontade", tomando Nuremberg como
um palco e seus habitantes como
figurantes, Leni e Hitler encenam
a história. O filme, quadro vivo da
propaganda, consuma, com suas
encenações em massa, toda uma
era do cinema voltada para certo
ideal coletivo e triunfalista.
O cinema pré-guerra culmina
no modelo teatral-propagandístico que marca, na Segunda Guerra, a competição entre a UFA (a
indústria cinematográfica alemã)
e Hollywood. Uma guerra entre
duas gigantescas máquinas de
propaganda de Estado: de um lado, Hitler e a imagem da beleza
ariana, do outro o star system e a
imagem da liberdade. Como bem
percebera Walter Benjamin, o cinema falado surgira para dar voz
a astros e ditadores.
Em 1943, já perdendo irremediavelmente a guerra, os nazistas
ainda realizam superproduções
sobre os seus triunfos iniciais. A
UFA produz filmes cada vez mais
escapistas, e seu Führer é o primeiro a neles se alienar. Antes de
se suicidar, em 45, Hitler mata a
mulher seguindo o método (de
envenenamento sem dor) preconizado por um dos filmes da UFA,
cujo título poderíamos traduzir
como: "Sou eu um criminoso?".
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