UOL


São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

Texto Anterior | Índice

Com documentários, Riefenstahl moldou ideal triunfalista

Manipulação da realidade foi a mais eficiente arma nazista

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O bigode de Carlitos (que o tomou de volta em "O Grande Ditador"), os gestos copiados de um personagem mafioso de Fritz Lang e um vago ideário wagneriano: Hitler tinha medíocres pretensões artísticas, mas conseguiu realizá-las na política. Chegou ao poder tratando seus comícios como espetáculos teatrais, preparando o roteiro e a iluminação, o cenário e a entonação, o que os políticos sérios não faziam.
Já Leni Riefensthal, morta esta semana, aos 101, musa de filmes de alpinismo que alimentaram o imaginário protonazista e cineasta astuciosa, talvez levasse sua arte mais longe se não tivesse se metido com política. Amiga íntima de Hitler, ela o ajudou a desenvolver a mais eficiente arma nazista: o documentário de propaganda.
A grande sacada dos dois foi descobrir que não era preciso usar trucagens cinematográficas para convencer os outros: "trucar" a realidade e filmá-la como um documentário era muito mais eficaz. Em "O Triunfo da Vontade", tomando Nuremberg como um palco e seus habitantes como figurantes, Leni e Hitler encenam a história. O filme, quadro vivo da propaganda, consuma, com suas encenações em massa, toda uma era do cinema voltada para certo ideal coletivo e triunfalista.
O cinema pré-guerra culmina no modelo teatral-propagandístico que marca, na Segunda Guerra, a competição entre a UFA (a indústria cinematográfica alemã) e Hollywood. Uma guerra entre duas gigantescas máquinas de propaganda de Estado: de um lado, Hitler e a imagem da beleza ariana, do outro o star system e a imagem da liberdade. Como bem percebera Walter Benjamin, o cinema falado surgira para dar voz a astros e ditadores.
Em 1943, já perdendo irremediavelmente a guerra, os nazistas ainda realizam superproduções sobre os seus triunfos iniciais. A UFA produz filmes cada vez mais escapistas, e seu Führer é o primeiro a neles se alienar. Antes de se suicidar, em 45, Hitler mata a mulher seguindo o método (de envenenamento sem dor) preconizado por um dos filmes da UFA, cujo título poderíamos traduzir como: "Sou eu um criminoso?".



Texto Anterior: Arquiteturas da destruição
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.