São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

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Crítica/erudito

Quarteto encerra festival com clássicos

Arditti Quartet, que já gravou mais de 150 discos, tocou Ligeti e Xenakis em ótima apresentação no final do Música Nova

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A essa altura, Ligeti (1923-2006) e Xenakis (1922-2001) são clássicos. O que não quer dizer que sejam muito tocados; e a chance de escutar dois quartetos de cordas de compositores desse porte, interpretados por um grupo do porte do Arditti Quartet, não era de se perder por nada. Tanto melhor que o programa de anteontem, fechando a programação do Festival Música Nova, trazia outras obras bem recentes, incluindo a música de dois brasileiros, Felipe Lara (1979) e Alexandre Lunsqui (1969).
O Arditti Quartet existe desde 1974, com várias escalações, mas dedicado sempre e exclusivamente à música contemporânea. Já gravou mais de 150 discos e ganhou muitos prêmios. Toca música de vanguarda como se fosse Schubert -e não seria ótimo se outros quartetos tocassem Schubert como se fosse vanguarda? Em espírito, se não na forma, todos os compositores são vanguarda, antes de virar história.
É verdade que a vanguarda há muito deixou de ter esse papel. Mas o espírito permanece vivo, como se viu ao longo de mais um Festival Música Nova, há 42 anos sob a direção artística de Gilberto Mendes e de um tempo para cá sob a heróica direção executiva de Lorenzo Mammì (em São Paulo) e Luiz Gustavo Petri (Santos).

Compositores ingleses
Quarta-feira, no Sesc Vila Mariana, o Arditti tocou dois quartetos de compositores ingleses: o relativamente pouco conhecido James Clarke (1957) e o quase notório Brian Ferneyhough (1943). O primeiro trabalha com massas sonoras contínuas, que vão se alterando por dentro, com ritmos imprevisíveis, num espaço harmônico interessantemente árido. Já Ferneyhough, grão-mogol da Nova Complexidade, vem se mostrando cada vez mais aberto para uma dimensão particular de lirismo, num registro em que a música parece a ponto de se despedir de si. O "Quarteto nš 5", de 2006, termina já do lado de lá, observando rastros do que restou.
"Corde Vocale", do sorocabano Felipe Lara, foi composto no ano retrasado. As "cordas vocais" do título são metáforas para as vocalizantes cordas do quarteto, que se comunicam irregular e contrapuntisticamente, numa nebulosa sonora. Doutorando em composição na Universidade de Nova York, sob orientação de Mario Davidovsky e Tristan Murail, Lara escreve num idioma que conversa com a eletroacústica e a música espectral, mas aponta para outra direção.
Outro nome de ponta da jovem geração brasileira, o paulistano Alexandre Lunsqui também está em Nova York, do outro lado, na Columbia. Estudou, entre outros, com Murail e Ferneyhough. Sua peça "Mobile.Mutatio" estreou pelas melhores mãos, nesse concerto. Tudo aqui é sempre interessante: não há um compasso sem idéia, e a seção final, de rarefações, fica na memória de imediato, como um poema forte que se leu pela primeira vez.
Depois disso, ainda vieram o "Quarteto nš 2" de Ligeti e "Tetras" de Xenakis, rock'n'roll de primeira, tocado com precisão e gana. Ontem à noite, o Arditti ainda faria a estréia de um quarteto de Flo Menezes (1962). Música viva na cidade, para delirar e pensar.


ARDITTI QUARTET
Avaliação: ótimo



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