São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004

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ERUDITO

Pronta desde 97, composição de Jorge Antunes, ainda não encenada, tem versão inédita da história da comunista

Ópera "Olga" luta para chegar aos palcos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Na história das óperas brasileiras ainda inéditas existe há alguns anos uma "Olga", baseada na mesma personagem -Olga Benário Prestes (1908-1942)- do filme de Jayme Monjardim. Seus três atos, escritos durante dez anos pelo compositor Jorge Antunes, 62, estão prontos desde 1997.
O fato de a ópera não ter sido ainda encenada foi objeto de iniciativa de certo humor negro, como a exposição, em abril de 2003, no saguão da biblioteca da UnB, de painéis com a ampliação de cartas em que potenciais patrocinadores se recusavam a financiar o projeto de montagem.
O segundo ato da ópera cita trechos de "Tristão e Isolda", de Wagner, ao evocar a atração que uniu Olga a Luís Carlos Prestes na viagem do transatlântico Ville de Paris, que em 1935 trouxe o casal clandestinamente ao Rio.
E há, sobretudo, um terceiro ato com Olga em campos de concentração alemães, nos quais Jorge Antunes fez, em 1992, sua própria pesquisa biográfica.
Leia trechos de sua entrevista.
 

Folha - O libreto de "Olga", de Gerson Valle, baseia-se mais na biografia feita por Ruth Werner e publicada em 1962. Por que não no livro de Fernando Morais?
Jorge Antunes -
Fernando Morais tende mais para o romance e aborda pouco a passagem de Olga Benario por três campos de concentração. O trabalho de Ruth Werner, que esteve presa com Olga, foi útil. Mas recolhi muita informação por conta própria, ao pesquisar os arquivos dos campos de Ravensbrück e Benburg.

Folha - Há informações inéditas?
Antunes -
Darei dois exemplos. Em Ravensbrück havia uma fábrica de armas. Olga era, com as demais prisioneiras, operária escrava. Ela liderou um trabalho sigiloso de sabotagem. Também naquele campo, Olga foi submetida a uma "Rassenumtersuchung" (exame de raça). Por ser aloirada, foi dada como "não completamente judia". Poderia ser transferida para o pavilhão das prisioneiras políticas. Mas preferiu ficar no pavilhão das judias, que precisavam de seu apoio e liderança. O terceiro ato da ópera narra o final de sua vida na Alemanha.

Folha - Em 1988 o libreto foi submetido ao próprio Luís Carlos Prestes. Que sugestões ele fez?
Antunes -
Ele discorreu sobretudo sobre a Coluna Prestes. O libreto faz uma caracterização de Prestes por meio de dois cantadores nordestinos que, em forma de embolada, se referem à saga da coluna. É por isso que, além dos instrumentos sinfônicos, eu uso na ópera a viola caipira.

Folha - Seu nome, na música contemporânea brasileira, está vinculada à produção eletroacústica. "Olga" é uma exceção?
Antunes -
Meu catálogo de composições tem menos músicas eletroacústicas que músicas instrumentais. Faço de tudo. Trabalhei na ópera com uma música para vozes e orquestra.

Folha - Por que "Olga" não foi ainda montada?
Antunes -
Tenho a impressão de que músicos, diretores de teatro e secretários de Cultura sempre rejeitaram temas que fazem parte da história brasileira recente.

Folha - Mas "Olga" agora virou produção da Globo Filmes.
Antunes -
Tenho ouvido comentários na Secretaria da Cultura aqui do Distrito Federal de que o filme tornou a montagem da ópera mais necessária. Mas estamos ainda sem patrocínio. Podemos montar "Olga" com R$ 350 mil. Como novidade há o fato de o regente titular do Teatro Municipal de São Paulo, Ira Levin, estar com a partitura de "Olga" e com a gravação da abertura.

Folha - Gostou do filme "Olga"?
Antunes -
O filme é para mim uma faca de dois gumes. O personagem Olga Benario deixou de ser tabu, sua história é a partir de agora amplamente conhecida. Mas há também o perigo de, quando a ópera for encenada, eu ser considerado como alguém que tomou carona numa produção cinematográfica, quando em verdade a minha ópera já está pronta há muitos anos.

Folha - O filme e a ópera contam a mesma história?
Antunes -
Não. Sinto-me até um pouco incomodado pelo fato de a história estar sendo contada pela indústria cinematográfica -e não pelo cinema, como linguagem. O establishment que favorece uma versão mais adocicada de algo que foi essencialmente e dramaticamente político na história da esquerda brasileira.

Folha - Em que sentido?
Antunes -
Darei um exemplo: o filme constrói um Luís Carlos Prestes meio "maricas", confinado numa casa do bairro do Méier e sentado na máquina de costura, fazendo um vestidinho novo para Olga. Tem muito pouco a ver com aquele momento.

Folha - O que a ópera traz a mais que o filme?
Antunes -
Há dois personagens importantíssimos na ópera e na biografia de Prestes: Filinto Müller, com a vilania do chefe da polícia e que no filme é uma espécie de figurante sem as mãos sujas de sangue, e Sobral Pinto, que foi o advogado de Prestes.


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