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ERUDITO
Pronta desde 97, composição de Jorge Antunes, ainda não encenada, tem versão inédita da história da comunista
Ópera "Olga" luta para chegar aos palcos
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Na história das óperas brasileiras ainda inéditas existe há alguns
anos uma "Olga", baseada na
mesma personagem -Olga Benário Prestes (1908-1942)- do
filme de Jayme Monjardim. Seus
três atos, escritos durante dez
anos pelo compositor Jorge Antunes, 62, estão prontos desde 1997.
O fato de a ópera não ter sido
ainda encenada foi objeto de iniciativa de certo humor negro, como a exposição, em abril de 2003,
no saguão da biblioteca da UnB,
de painéis com a ampliação de
cartas em que potenciais patrocinadores se recusavam a financiar
o projeto de montagem.
O segundo ato da ópera cita trechos de "Tristão e Isolda", de
Wagner, ao evocar a atração que
uniu Olga a Luís Carlos Prestes na
viagem do transatlântico Ville de
Paris, que em 1935 trouxe o casal
clandestinamente ao Rio.
E há, sobretudo, um terceiro ato
com Olga em campos de concentração alemães, nos quais Jorge
Antunes fez, em 1992, sua própria
pesquisa biográfica.
Leia trechos de sua entrevista.
Folha - O libreto de "Olga", de
Gerson Valle, baseia-se mais na
biografia feita por Ruth Werner e
publicada em 1962. Por que não no
livro de Fernando Morais?
Jorge Antunes - Fernando Morais tende mais para o romance e
aborda pouco a passagem de Olga
Benario por três campos de concentração. O trabalho de Ruth
Werner, que esteve presa com Olga, foi útil. Mas recolhi muita informação por conta própria, ao
pesquisar os arquivos dos campos
de Ravensbrück e Benburg.
Folha - Há informações inéditas?
Antunes - Darei dois exemplos.
Em Ravensbrück havia uma fábrica de armas. Olga era, com as
demais prisioneiras, operária escrava. Ela liderou um trabalho sigiloso de sabotagem. Também
naquele campo, Olga foi submetida a uma "Rassenumtersuchung"
(exame de raça). Por ser aloirada,
foi dada como "não completamente judia". Poderia ser transferida para o pavilhão das prisioneiras políticas. Mas preferiu ficar no
pavilhão das judias, que precisavam de seu apoio e liderança. O
terceiro ato da ópera narra o final
de sua vida na Alemanha.
Folha - Em 1988 o libreto foi submetido ao próprio Luís Carlos Prestes. Que sugestões ele fez?
Antunes - Ele discorreu sobretudo sobre a Coluna Prestes. O libreto faz uma caracterização de
Prestes por meio de dois cantadores nordestinos que, em forma de
embolada, se referem à saga da
coluna. É por isso que, além dos
instrumentos sinfônicos, eu uso
na ópera a viola caipira.
Folha - Seu nome, na música contemporânea brasileira, está vinculada à produção eletroacústica.
"Olga" é uma exceção?
Antunes - Meu catálogo de composições tem menos músicas eletroacústicas que músicas instrumentais. Faço de tudo. Trabalhei
na ópera com uma música para
vozes e orquestra.
Folha - Por que "Olga" não foi
ainda montada?
Antunes - Tenho a impressão de
que músicos, diretores de teatro e
secretários de Cultura sempre rejeitaram temas que fazem parte
da história brasileira recente.
Folha - Mas "Olga" agora virou
produção da Globo Filmes.
Antunes - Tenho ouvido comentários na Secretaria da Cultura
aqui do Distrito Federal de que o
filme tornou a montagem da ópera mais necessária. Mas estamos
ainda sem patrocínio. Podemos
montar "Olga" com R$ 350 mil.
Como novidade há o fato de o regente titular do Teatro Municipal
de São Paulo, Ira Levin, estar com
a partitura de "Olga" e com a gravação da abertura.
Folha - Gostou do filme "Olga"?
Antunes - O filme é para mim
uma faca de dois gumes. O personagem Olga Benario deixou de ser
tabu, sua história é a partir de agora amplamente conhecida. Mas
há também o perigo de, quando a
ópera for encenada, eu ser considerado como alguém que tomou
carona numa produção cinematográfica, quando em verdade a
minha ópera já está pronta há
muitos anos.
Folha - O filme e a ópera contam a
mesma história?
Antunes - Não. Sinto-me até um
pouco incomodado pelo fato de a
história estar sendo contada pela
indústria cinematográfica -e
não pelo cinema, como linguagem. O establishment que favorece uma versão mais adocicada de
algo que foi essencialmente e dramaticamente político na história
da esquerda brasileira.
Folha - Em que sentido?
Antunes - Darei um exemplo: o
filme constrói um Luís Carlos
Prestes meio "maricas", confinado numa casa do bairro do Méier
e sentado na máquina de costura,
fazendo um vestidinho novo para
Olga. Tem muito pouco a ver com
aquele momento.
Folha - O que a ópera traz a mais
que o filme?
Antunes - Há dois personagens
importantíssimos na ópera e na
biografia de Prestes: Filinto Müller, com a vilania do chefe da polícia e que no filme é uma espécie
de figurante sem as mãos sujas de
sangue, e Sobral Pinto, que foi o
advogado de Prestes.
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