São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 2005

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LITERATURA

Prêmio ao autor inglês indica escolha da Academia Sueca por dramaturgo consagrado e também ativista panfletário

Nobel a Pinter reflete opção literária e política

Divulgação
O dramaturgo Harold Pinter, ganhador do Nobel de Literatura


JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de um curioso epílogo, em março deste ano, em que o próprio autor afirmava que já não escreveria nenhuma peça teatral, a obra do dramaturgo inglês Harold Pinter, 75, acaba de receber um surpreendente posfácio. Os 18 respeitáveis literatos da Academia Sueca de Letras anunciaram, na manhã de ontem, a decisão de condecorá-lo com o Prêmio Nobel de Literatura de 2005.
Seu nome, embora, como de costume, advertidamente inesperado, não ocasionou grandes choques, críticas ou comoções. Tido como o expoente máximo do teatro dramático inglês da segunda metade do século 20, como a própria Academia aludiu, Pinter, autor de 29 peças encenadas com freqüência aos quatro ventos e cinco continentes, esteve desde sempre sob fortes holofotes. Como dramaturgo no mais das vezes, mas também como roteirista de cinema, sendo co-autor de "O Mensageiro", vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1971, como ator ou como ativista político.
Quanto a esta última faceta, marcada por discursos a cada guerra mais inflamados e poemas a cada verso mais engajados (por exemplo, com a publicação de "War", em 2003, que propunha oposição visceral à ocupação norte-americana no Iraque), trata-se da única da qual não abdicaria a partir deste ano, de acordo com o que anunciou em março.
E, inevitavelmente, tendo chamado Tony Blair de "poodle perigoso" e clamado por seu impeachment em 2004, tendo definido os EUA como "império criminoso do mal", não se pode deixar de pensar que o recrudescimento político de Pinter tenha influenciado na escolha para o Nobel, como avaliaram diversos especialistas. O prêmio, aliás, nos últimos anos tem mostrado mais suas preferências, talvez definíveis, nesse campo do pensamento, como "anti-americanas".
Convém não esquecer, entretanto, as altas referências de que Pinter dispõe no campo do teatro, suficientes até para que se tornasse verbete de dicionário, com o adjetivo "pinteresco", que caracteriza aquilo que justapõe o brutal e o banal. Nas palavras da própria Academia, em justificativa à escolha, sua obra "revela o precipício que existe debaixo da balbúrdia do cotidiano e força a entrada nos quartos fechados da opressão".
A primeira peça de Pinter, "The Room" (o quarto), de 56, já prefigurava no título um dos dois elementos essenciais que o dramaturgo devolveria ao teatro, a saber: "um espaço fechado e um diálogo imprevisível", ainda segundo a Academia. Quanto às características desse diálogo, está tomado por "relações de dominação e subserviência, mesmo nas conversas mais mundanas".
Ao receber a notícia, Pinter, recém-recuperado de um câncer de esôfago e usando bengala devido a uma queda, mostrou-se surpreso e pouco conseguiu dizer: "Estou sem palavras, mas não vou parar de falar. Terei de encontrar algumas quando chegar a Estocolmo", onde receberá o prêmio e 10 milhões de coroas suecas (R$ 3 milhões), em 10 de dezembro.
Dramaturgos ingleses mostraram-se tão contentes quanto Pinter, porém mais eloqüentes. David Hare, por exemplo, aclamou a escolha, considerando-a "brilhante", e declarou: "Não apenas Harold Pinter escreveu algumas das mais extraordinárias peças de seu tempo, como soprou ar fresco no mofado sótão da literatura inglesa convencional, insistindo em que tudo o que faz tem uma dimensão pública e política".

Com agências internacionais

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