São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 2005

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CINEMA/"O JARDINEIRO FIEL"

Astro do novo filme de Fernando Meirelles diz que sua profissão deve registrar a história

Fiennes defende artista como testemunha

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Não muito diferente de seu personagem em "O Jardineiro Fiel", um diplomata britânico em missão na África, mais dedicado a cuidar de plantas do que aos problemas que o cercam, o ator Ralph Fiennes, 42, defende que o artista nem sempre precisa ir onde o povo está. De modo distinto de seus colegas de holofote que põem a mão na massa para ajudar vítimas de furacões e afins, Fiennes prefere ver a arte como instrumento de denúncias, como no filme dirigido por Fernando Meirelles, que estréia hoje, atacando os abusos da indústria farmacêutica e de governos corruptos.
"Não acho que se deva esperar, por exemplo, de um músico uma ajuda prática a pessoas desabrigadas em Nova Orleans. Mas, se ele escrever uma grande canção, que lembre a tragédia, então terá um testemunho, um marco importante da aventura humana, à qual poderemos nos voltar quando precisarmos de uma perspectiva do que fomos e somos", disse o ator, em entrevista à Folha.
"Fizeram filmes sobre o Vietnã e o Holocausto, poemas sobre a Primeira Guerra, escritores registraram eventos que testemunharam... O artista, no final das contas, é uma testemunha."
Justin Quayle, o protagonista de "O Jardineiro Fiel", é mais um mocinho na galeria de tipos de Fiennes, que foi alçado ao estrelado na pele de um vilão, o nazista Amon Goeth, de "A Lista de Schindler", em 1993. Para o ator, que, salvo produções como "Spider - Desafie Sua Mente" e "Dragão Vermelho", é mais conhecido por viver heróis românticos, como os protagonistas de "Fim de Caso" e "O Paciente Inglês", o mais importante é fazer papéis que tenham uma "complexidade convincente".
"Não penso se o personagem é bom ou mau. Goeth era um nazista, mas, ao interpretá-lo, eu sabia que ele, em sua própria concepção, não se achava mau", diz Fiennes. "Eu me interesso por personagens com diversas camadas ou que tenham algum tipo de jornada interessante."
Curiosamente, no entanto, Fiennes emprestou há pouco tempo sua voz ao vilão Victor Quartermaine, da animação "Wallace e Gromit - A Batalha dos Vegetais". E volta à telas em breve como um dos mais temidos tipos do imaginário infanto-juvenil contemporâneo: o bruxo Voldemort, em "Harry Potter e o Cálice de Fogo".
"Todo mundo me disse que eu ia fazer o mais cruel dos homens, e eu não sabia como fazê-lo. Então Mike Newell [diretor do filme] e eu pensamos: "Este é um homem que perdeu sua forma carnal, que a recupera de repente e passa a saborear sua nova pele, cabeça, boca. Isso o torna imprevisível, porque também tem muito ódio no fundo do coração e a chance de destruir Potter". Foi bem divertido fazê-lo."

Afogando em letras
"O Jardineiro Fiel" engorda a lista de adaptações literárias na filmografia de Fiennes, que tem, além de "O Paciente Inglês" (Michael Ondaatje), "O Morro dos Ventos Uivantes" (Emily Brontë) e "Oscar e Lucinda" (Peter Carey), entre outros. O ator, no entanto, afirma que gostaria de fazer menos adaptações, que ele vê como uma espécie de Frankenstein cinematográfico.
"Há boas versões, mas sempre se tem a impressão de que eles estão tomando algo emprestado de um outro lugar", diz ele. "Os filmes ideais são aqueles feitos a partir de roteiros originais."
O universo literário, no entanto, não parece querer deixar Fiennes. Leitor voraz, o ator tem à sua cabeceira "On Beauty" [romance de Zadie Smith, finalista do Booker Prize], "Casanova in Bolzano", do escritor húngaro Sándor Márai, e uma biografia de Doris Duke, magnata do tabaco que será vivida no cinema por Susan Sarandon em "Bernard and Doris", próximo filme de Fiennes.
Antes do filme com Sarandon, o ator volta às telas em "The White Countess", fim de longo jejum cinematográfico do diretor James Ivory, com roteiro original do romancista Kazuo Ishiguro, autor premiado com o Booker Prize em 1989 por "Resíduos do Dia". No longa, Fiennes voltar a viver um diplomata, desta vez um americano, cego, que, na Xangai de 1936, pede ajuda a uma aristocrata russa para abrir uma casa noturna com forte "tensão sexual". Testemunho de um tempo? "Talvez Ishiguro nunca tenha ido a Xangai. Ele a tirou de sua cabeça, o que é maravilhoso. O filme não mostra a brutalidade e o cinismo da cidade. Talvez um pouco."


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