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CINEMA/"O JARDINEIRO FIEL"
Astro do novo filme de Fernando Meirelles diz que sua profissão deve registrar a história
Fiennes defende artista como testemunha
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Não muito diferente de seu personagem em "O Jardineiro Fiel",
um diplomata britânico em missão na África, mais dedicado a
cuidar de plantas do que aos problemas que o cercam, o ator
Ralph Fiennes, 42, defende que o
artista nem sempre precisa ir onde o povo está. De modo distinto
de seus colegas de holofote que
põem a mão na massa para ajudar
vítimas de furacões e afins, Fiennes prefere ver a arte como instrumento de denúncias, como no filme dirigido por Fernando Meirelles, que estréia hoje, atacando os
abusos da indústria farmacêutica
e de governos corruptos.
"Não acho que se deva esperar,
por exemplo, de um músico uma
ajuda prática a pessoas desabrigadas em Nova Orleans. Mas, se ele
escrever uma grande canção, que
lembre a tragédia, então terá um
testemunho, um marco importante da aventura humana, à qual
poderemos nos voltar quando
precisarmos de uma perspectiva
do que fomos e somos", disse o
ator, em entrevista à Folha.
"Fizeram filmes sobre o Vietnã
e o Holocausto, poemas sobre a
Primeira Guerra, escritores registraram eventos que testemunharam... O artista, no final das contas, é uma testemunha."
Justin Quayle, o protagonista de
"O Jardineiro Fiel", é mais um
mocinho na galeria de tipos de
Fiennes, que foi alçado ao estrelado na pele de um vilão, o nazista
Amon Goeth, de "A Lista de
Schindler", em 1993. Para o ator,
que, salvo produções como "Spider - Desafie Sua Mente" e "Dragão Vermelho", é mais conhecido
por viver heróis românticos, como os protagonistas de "Fim de
Caso" e "O Paciente Inglês", o
mais importante é fazer papéis
que tenham uma "complexidade
convincente".
"Não penso se o personagem é
bom ou mau. Goeth era um nazista, mas, ao interpretá-lo, eu sabia
que ele, em sua própria concepção, não se achava mau", diz Fiennes. "Eu me interesso por personagens com diversas camadas ou
que tenham algum tipo de jornada interessante."
Curiosamente, no entanto,
Fiennes emprestou há pouco
tempo sua voz ao vilão Victor
Quartermaine, da animação
"Wallace e Gromit - A Batalha dos
Vegetais". E volta à telas em breve
como um dos mais temidos tipos
do imaginário infanto-juvenil
contemporâneo: o bruxo Voldemort, em "Harry Potter e o Cálice
de Fogo".
"Todo mundo me disse que eu
ia fazer o mais cruel dos homens,
e eu não sabia como fazê-lo. Então Mike Newell [diretor do filme]
e eu pensamos: "Este é um homem que perdeu sua forma carnal, que a recupera de repente e
passa a saborear sua nova pele,
cabeça, boca. Isso o torna imprevisível, porque também tem muito ódio no fundo do coração e a
chance de destruir Potter". Foi
bem divertido fazê-lo."
Afogando em letras
"O Jardineiro Fiel" engorda a
lista de adaptações literárias na filmografia de Fiennes, que tem,
além de "O Paciente Inglês" (Michael Ondaatje), "O Morro dos
Ventos Uivantes" (Emily Brontë)
e "Oscar e Lucinda" (Peter Carey), entre outros. O ator, no entanto, afirma que gostaria de fazer
menos adaptações, que ele vê como uma espécie de Frankenstein
cinematográfico.
"Há boas versões, mas sempre
se tem a impressão de que eles estão tomando algo emprestado de
um outro lugar", diz ele. "Os filmes ideais são aqueles feitos a
partir de roteiros originais."
O universo literário, no entanto,
não parece querer deixar Fiennes.
Leitor voraz, o ator tem à sua cabeceira "On Beauty" [romance de
Zadie Smith, finalista do Booker
Prize], "Casanova in Bolzano", do
escritor húngaro Sándor Márai, e
uma biografia de Doris Duke,
magnata do tabaco que será vivida no cinema por Susan Sarandon em "Bernard and Doris",
próximo filme de Fiennes.
Antes do filme com Sarandon, o
ator volta às telas em "The White
Countess", fim de longo jejum cinematográfico do diretor James
Ivory, com roteiro original do romancista Kazuo Ishiguro, autor
premiado com o Booker Prize em
1989 por "Resíduos do Dia". No
longa, Fiennes voltar a viver um
diplomata, desta vez um americano, cego, que, na Xangai de 1936,
pede ajuda a uma aristocrata russa para abrir uma casa noturna
com forte "tensão sexual". Testemunho de um tempo? "Talvez Ishiguro nunca tenha ido a Xangai.
Ele a tirou de sua cabeça, o que é
maravilhoso. O filme não mostra
a brutalidade e o cinismo da cidade. Talvez um pouco."
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