São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2006

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De dentro da "New Yorker"

Atual editor de uma das revistas de mais prestígio no mundo, David Remnick tem coletânea de artigos lançada no Brasil

Sara Krulwich/"The New York Times"
O jornalista norte-americano David Remnick, em sua mesa de trabalho, na revista "New Yorker"


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando assumiu o cargo de editor-chefe da "New Yorker", uma das revistas de mais prestígio no mundo, em 1998, David Remnick, 47, já era um jornalista experiente. Tinha trabalhado anos como repórter do "Washington Post" e fora correspondente na então União Soviética durante o seu esfacelamento, no começo dos anos 90. "A única coisa que eu não sabia fazer", conta ele, em tom de piada (sabe-se lá se verdadeira), "era editar".
Foi por isso que o atual sucessor dos lendários Harold Ross e William Shawn nunca abandonou aquilo que sempre gostou de fazer: reportagens.
"Dentro da Floresta", reunião de seus melhores textos jornalísticos, sai agora no Brasil, pela coleção "Jornalismo Literário" (Companhia das Letras).
O livro traz 23 artigos de Remnick publicados na "New Yorker" entre 1994 e 2006 -o mais recente narra a eleição palestina, vencida pelo Hamas. Prevalecem os perfis, de gente variada como os escritores Philip Roth e Don DeLillo, políticos, como o premiê inglês Tony Blair e o presidente russo Vladimir Putin, e lutadores de boxe, como Mike Tyson. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Remnick concedeu à Folha.
 

FOLHA - Você diz que é o oposto de um especialista. Não ter um tema específico de interesse é essencial para escrever bem?
DAVID REMNICK -
Não tenho nada contra especialistas. Acho ótimo que os melhores jornais tenham pessoas que se dedicam inteiramente a determinados assuntos. Mas isso não é para mim. Sou o tipo de pessoa que gosta de ficar pulando de política a Mike Tyson. Se isso é bom ou ruim, não sei dizer.

FOLHA - Por que você escolheu esses perfis para o livro?
REMNICK -
Porque foram as melhores coisas que escrevi nos últimos tempos. Deixei de fora vários textos sobre política que são o que chamo de artigos "knock, knock". É o tipo de reportagem na qual você visita um lugar, como Cairo ou Istambul, entrevista um monte daqueles "suspeitos de sempre" e então tenta construir um quadro sobre o que está acontecendo lá. É um tipo de texto que dura, mais ou menos, o tempo em que um peixe fresco agüenta sob o sol do meio-dia.

FOLHA - O que é um bom perfil?
REMNICK -
Antes de mais nada, ele não pode ser uma pequena biografia. Não deve ter o compromisso de abarcar tudo, mas tem de ter vida, oferecer um olhar sobre uma pessoa num momento específico do tempo.

FOLHA - Em seus perfis, você prefere descrever os personagens a partir de situações que os cercam e de como interpretam seus "papéis" no cotidiano. Você concorda?
REMNICK -
Não acho que um autor de perfis deva ter a intenção de alcançar um conhecimento psicológico de seu assunto. Prefiro acumular detalhes, o que ouço e vejo, e então formar um retrato. Senão, é como escrever com uma tinta invisível.

FOLHA - Como é editar a "New Yorker" num momento tão conflitivo? Você se sente obrigado a trazer temas como o terrorismo e as guerras para as páginas da revista?
REMNICK -
Todos nós na Redação temos o dever de refletir o mundo em toda a sua glória ou agonia política. Temo que esses tempos estejam sendo mais pesados quanto a esse segundo item. Por isso temos tantos textos sobre o Oriente Médio, o Sul da Ásia e, como se não bastasse, tudo de terrível que vemos em Washington.

FOLHA - Costuma-se definir o estilo da "New Yorker" como jornalismo literário. Qual é sua opinião?
REMNICK -
Sou um repórter e espero ser um bom repórter. "Literário" parece ser menos uma descrição e mais um elogio. Penso que a ficção não deva ter privilégios de nascença. Não diria, por exemplo, que os trabalhos de ficção de George Orwell são melhores que os de não-ficção. "Homage to Catalonia" é melhor do que todos os seus romances. E o livro de memórias de Vladimir Nabokov ("Speak, Memory") é tão bom quanto muitos de seus romances (ainda que eu os adore). Duvido que a melhor não-ficção possa atingir os cantos da alma humana tão bem como a ficção o faz. Por outro lado, a melhor não-ficção é verdadeira a seu modo, pois é construída a partir de um mundo concreto, e isso traz qualidades específicas. O que eu não acredito é em tapeação, ou seja, em ficção mascarada de não-ficção.

FOLHA - Se você fosse escolher um tema sobre o Brasil para uma reportagem da "New Yorker", qual seria?
REMNICK -
A política brasileira atual está me interessando bastante. Mas admito ter conhecimento limitado sobre o país, além de nunca ter estado aí, e por pura bobeira. Por isso, deixo o assunto para outros.


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