São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2006

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Crítica/memórias

Prazerosa, autobiografia de Ricardo Semler tropeça em dicas e auto-elogio

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Experiência está associada etimologicamente em grego e latim a perigo, sugerindo os riscos de enfrentar desafios e aventuras -daí derivou, por exemplo, pirata. Na raiz da palavra, existe também o sentido de "travessia". "Você Está Louco!", de Ricardo Semler, é o relato de alguém movido pelo prazer de experimentar, correndo os riscos de desafiar o senso comum -e, pelo menos até aqui, vencendo, mas sempre deixando uma dúvida sobre quando (e se) vai perder.
Empresário acostumado a fazer bons negócios, Semler é necessariamente obrigado a viver cercado de cálculos matemáticos para sustentar táticas e estratégias, por mais que municie suas apostas com a intuição.
Quando começa a montar um projeto, qualquer projeto, enfia-se nos livros e conversa com todos os especialistas a seu alcance, como se estivesse diante de um desafio do tipo "decifra-me ou te devoro".
Mas, de verdade, o que lhe importa não é a chegada, mas a emoção da travessia, que o faz sentir-se conectado. Semler conta que, na adolescência, andava no meio de roqueiros, mas não se seduziu pelas drogas.
Seu "barato" estava no prazer de perseguir o encantamento das rupturas.
Com esse impulso, ele se projetou dentro e fora do Brasil com as experiências de inusitadas relações trabalhistas na Semco, empresa que herdou de seu pai. Dessa vivência surgiu o best-seller "Virando a Própria Mesa".
Esse mesmo impulso é o que o leva a criar uma escola alternativa -Lumiar-, na qual os alunos escolhem seu próprio currículo, montar um entidade (DNA) para repensar o Brasil, viajar pela rota da seda ou se meter pelas paisagens mais exóticas da África.

Impulso para saber
Essa junção de personagem e aventureiro (no bom sentido) converte Semler em um personagem e tanto.
Lendo o livro se entende por que ele cutucou o senso comum educacional. Semler acredita (e com muita razão) que os seres humanos têm uma propensão ao conhecimento semelhante ao impulso sexual. Aprender não deveria ser obrigação, mas uma monumental brincadeira de esconde-esconde.
Nessa lógica do desafio, ele acabou correndo riscos ao lançar uma autobiografia. Como se trata da autobiografia de um sujeito inegavelmente bem-sucedido, o livro tropeça no auto-elogio e, algumas vezes, em afirmações que resvalam em dicas de auto-ajuda.
O maior problema é a juventude de Ricardo Semler. Ficamos imaginando o que ele escreveria quando fosse mais velho, mais reflexivo. "Você Está Louco!" dá a impressão de ser um trailer anunciando um filme. Nesse caso, provavelmente não seria uma obra de sua autoria, mas de alguém interessado em contar a história de alguém viciado no perigo das experiências e que sempre mistura a capacidade de ensinar dos mestres com a curiosidade dos aprendizes.
Isso porque o prazer da experimentação é ter sempre o que ensinar e o que aprender. É o que transforma Semler em um dos nossos mais instigantes personagens -e o seu livro em leitura fértil e prazerosa.


VOCÊ ESTÁ LOUCO!   
Autor: Ricardo Semler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 36 (256 págs.)


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