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Crítica/memórias
Prazerosa, autobiografia de Ricardo Semler tropeça em dicas e auto-elogio
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Experiência está associada etimologicamente
em grego e latim a perigo, sugerindo os riscos de enfrentar desafios e aventuras
-daí derivou, por exemplo, pirata. Na raiz da palavra, existe
também o sentido de "travessia". "Você Está Louco!", de Ricardo Semler, é o relato de alguém movido pelo prazer de
experimentar, correndo os riscos de desafiar o senso comum
-e, pelo menos até aqui, vencendo, mas sempre deixando
uma dúvida sobre quando (e se)
vai perder.
Empresário acostumado a
fazer bons negócios, Semler é
necessariamente obrigado a viver cercado de cálculos matemáticos para sustentar táticas e
estratégias, por mais que municie suas apostas com a intuição.
Quando começa a montar um
projeto, qualquer projeto, enfia-se nos livros e conversa com
todos os especialistas a seu alcance, como se estivesse diante
de um desafio do tipo "decifra-me ou te devoro".
Mas, de verdade, o que lhe
importa não é a chegada, mas a
emoção da travessia, que o faz
sentir-se conectado. Semler
conta que, na adolescência, andava no meio de roqueiros, mas
não se seduziu pelas drogas.
Seu "barato" estava no prazer
de perseguir o encantamento
das rupturas.
Com esse impulso, ele se projetou dentro e fora do Brasil
com as experiências de inusitadas relações trabalhistas na
Semco, empresa que herdou de
seu pai. Dessa vivência surgiu o
best-seller "Virando a Própria
Mesa".
Esse mesmo impulso é o que
o leva a criar uma escola alternativa -Lumiar-, na qual os
alunos escolhem seu próprio
currículo, montar um entidade
(DNA) para repensar o Brasil,
viajar pela rota da seda ou se
meter pelas paisagens mais
exóticas da África.
Impulso para saber
Essa junção de personagem e
aventureiro (no bom sentido)
converte Semler em um personagem e tanto.
Lendo o livro se entende por
que ele cutucou o senso comum
educacional. Semler acredita (e
com muita razão) que os seres
humanos têm uma propensão
ao conhecimento semelhante
ao impulso sexual. Aprender
não deveria ser obrigação, mas
uma monumental brincadeira
de esconde-esconde.
Nessa lógica do desafio, ele
acabou correndo riscos ao lançar uma autobiografia. Como se
trata da autobiografia de um
sujeito inegavelmente bem-sucedido, o livro tropeça no auto-elogio e, algumas vezes, em
afirmações que resvalam em
dicas de auto-ajuda.
O maior problema é a juventude de Ricardo Semler. Ficamos imaginando o que ele escreveria quando fosse mais velho, mais reflexivo. "Você Está
Louco!" dá a impressão de ser
um trailer anunciando um filme. Nesse caso, provavelmente
não seria uma obra de sua autoria, mas de alguém interessado
em contar a história de alguém
viciado no perigo das experiências e que sempre mistura a capacidade de ensinar dos mestres com a curiosidade dos
aprendizes.
Isso porque o prazer da experimentação é ter sempre o que
ensinar e o que aprender. É o
que transforma Semler em um
dos nossos mais instigantes
personagens -e o seu livro em
leitura fértil e prazerosa.
VOCÊ ESTÁ LOUCO!
Autor: Ricardo Semler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 36 (256 págs.)
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