São Paulo, quarta, 14 de outubro de 1998

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CINEMA - MOSTRA DE CINEMA DE SÃO PAULO
Gênese da ilusão é tema de "A Hora Mágica'

Divulgação
A atriz Maitê Proença em cena de "A Hora Mágica", de Almeida Prado


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

A construção de uma realidade ilusória por meio da manipulação do som e da luz -a essência do cinema, enfim- é o tema central de "A Hora Mágica", de Guilherme de Almeida Prado, que abre hoje a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
No filme, inspirado no conto "Cambio de Luces", de Julio Cortázar, Raul Gazolla interpreta um ator de radionovelas e dublador de cinema que se envolve com uma misteriosa fã (Julia Lemmertz) apaixonada por sua voz.
O elenco tem ainda Maitê Proença, como uma atriz canastrona, e José Lewgoy, em múltiplos papéis.
"A Hora Mágica", que será exibido amanhã no Festival de Cinema de Brasília, fecha o ciclo urbano, noturno e metalinguístico da obra de Almeida Prado.
O próximo longa-metragem de Almeida Prado, "Enquanto a Noite Não Chega", vai se passar numa cidadezinha abandonada. Inspirado em romance de Josué Guimarães, o filme será rodado em locações no Rio Grande do Sul e terá no elenco os veteranos Paulo Autran, Carmen Silva e Leonardo Villar.
Nesta entrevista, o cineasta -considerado um dos mais sofisticados do país- diz que sua escola é o cinema popular.

Folha - Seus três últimos filmes -"A Dama do Cine Shanghai", "Perfume de Gardênia" e "A Hora Mágica"- têm em comum a preocupação com a representação, com uma realidade "de segundo grau".
Guilherme de Almeida Prado -
Quando faço um filme, parto do princípio de que o espectador não está entrando no cinema pela primeira vez. Ele já viu outros filmes.
Gosto de fazer um filme que não esqueça que o que você está vendo é uma sombra projetada num pano branco. Não parto do princípio de que as pessoas vão acreditar que aquilo que estou mostrando é a pura realidade, mas sim que é uma realidade específica, feita de luz.
Folha - O que "A Hora Mágica" acrescenta à sua obra?
Almeida Prado -
Em cada filme eu priorizo algum aspecto que me interessa do cinema. O que me interessou bastante na "Hora Mágica", como diretor, foi o trabalho de câmera. Cada vez mais eu gosto de um cinema que use a câmera participativamente, não como mera gravadora de algo que acontece à sua frente.
Acho que isso aponta para um cinema mais moderno. Embora a gente ache que o cinema está muito evoluído, ele na verdade está na pré-história, principalmente se o compararmos com a literatura, por exemplo. Melhoramos muita coisa na técnica, mas em termos de linguagem o cinema ainda é muito primário.
Em "A Hora Mágica" tentei fazer quase um musical com a câmera, fazendo com que a câmera dançasse, uma vez que não tem nenhum balé no filme.
Folha - Outra coisa importante é a relação do som com a imagem.
Almeida Prado -
Sempre fui muito ligado à questão do som. Na "Hora Mágica" isso passa a ser o tema, está colocado na frente.
Acho que o cinema tem possibilidades sonoras maravilhosas, que são usadas relativamente pouco. Em geral o som é usado como mero recurso realista.
Folha - Você gosta muito de misturar vários gêneros, mas há sempre dois que se destacam: o melodrama e o policial "noir".
Almeida Prado -
Isso é uma questão muito mais orçamentária do que de gosto. O melodrama e o policial são os dois gêneros mais baratos. Eu adoraria fazer épicos ou musicais ou filmes de aventuras, mas esses filmes são caríssimos. O melodrama e o policial são os únicos gêneros em que você consegue fazer bons filmes com recursos muito pequenos.
Tenho, por exemplo, o roteiro de um policial que se passa inteiro dentro de um elevador. Não consegui terminá-lo porque não fui capaz de desvendar o crime.
Folha - Mas são também dois gêneros com uma tradição muito rica e popular.
Almeida Prado -
Sem dúvida. Embora meus filmes fiquem parecendo muito mais intelectuais do que eu gostaria, no fundo eu tenho uma grande admiração pelo cinema comercial. Tenho uma formação muito mais popular do que intelectual. Afinal, comecei fazendo filmes na Boca do Lixo.
Gosto de cinema de gênero, de melodrama, que é o gênero mais popular do mundo. O que eu não saberia era ser insincero e fingir uma coisa em que eu não acreditasse. Acabo fazendo do meu jeito.
Mesmo no "Perfume de Gardênia", cujo projeto era buscar uma raiz mais popular, eu não consegui deixar de ser eu mesmo.
Folha - Você acha que as referências e citações cinematográficas que proliferam em seus filmes podem soar ao espectador comum como um ruído que perturba o entendimento da história?
Almeida Prado -
Procuro não fazer soar como um ruído. Procuro fazer com que exista um filme a que qualquer um possa assistir, se interessar e gostar. O "outro filme" -o das citações- é uma espécie de brinde para quem, como eu, curte muito cinema. Mas o brinde não é o essencial.



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