|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Luandino quebra seu silêncio
Convidado da Balada Literária, angolano diz que recusou Prêmio Camões pois se achava "escritor morto'
Autor angolano prepara uma trilogia, reconhece a influência de Guimarães Rosa em sua obra e cita ainda ecos de Jorge Amado
DA REPORTAGEM LOCAL
Pode-se considerar singular
a participação do angolano José Luandino Vieira, no dia 18,
na Balada Literária. O autor do
recém-lançado "A Cidade e a
Infância" (Companhia das Letras; R$ 36, 136 págs.), livro de
contos dos anos 1950, é um tanto recluso. Segundo sua assessoria, o escritor vive num mosteiro, de onde redigiu à mão as
respostas à entrevista da Folha
abaixo. Essas foram depois
transcritas e enviadas por e-mail à reportagem.
Foi o mesmo Luandino que,
em 2006, recusou 100 mil euros (cerca de R$ 254 mil) do
Prêmio Camões, alegando
"motivos íntimos e pessoais".
À Folha, Luandino disse que
declinou a honraria por se considerar, à época, um "escritor
morto". "Por que haveria de ser
premiado um escritor em silêncio, que não entregava a
seus leitores um simples escrito havia 35 anos? Não me parece que pudesse receber o prêmio sabendo o elevado número
e a qualidade de obras de tantos autores de língua portuguesa." Leia trechos da entrevista.
(EDUARDO SIMÕES)
FOLHA - Logo após a recusa do prêmio o senhor anunciou uma trilogia,
"De Rios Velhos e Guerrilheiros"...
LUANDINO VIEIRA- A decisão de
uma trilogia foi tomada talvez
para quebrar um pouco mais
cedo aquele silêncio. Originalmente estava pensado como
um único romance, uma longa
travessia da vida, em fatos e
memórias de um guerrilheiro
na luta e libertação de Angola.
O que seria o meu modo de homenagear natureza e povo que
a levaram a cabo com sucesso.
O segundo volume está quase
pronto. O terceiro, em fase de
escrita. Porém sempre regressa, manhosamente, a tentação
de os unificar como estava
guardado em minha cabeça.
FOLHA - Em "A Cidade e a Infância", a vida nos musseques (favelas)
de Luanda está em destaque. Após
50 anos, o retrato permanece atual?
VIEIRA- O que é atual, e infelizmente multiplicado, é essa presença na cidade: seus musseques. Quaisquer que sejam os
novos nomes que se lhe atribuam, subúrbios, favela etc. A
presença da pobreza, da miséria, da vida em condições precárias de habitação, saúde, higiene. Enfim, os padrões mínimos que o desenvolvimento do
mundo já permitiria. E não são
ainda usufruto de quem tem de
viver naquelas condições e tanto contribuiu, com sua vida e
seu trabalho, para esse desenvolvimento. Não é justo.
FOLHA - Qual o papel da tradição
oral em sua obra?
LUANDINO VIEIRA- É fulcral. Comecei a escrever também por
ouvir contar muitas histórias
nos serões, à porta das casas, na
infância e na adolescência. Depois, na escola, em nossas brincadeiras era o intercâmbio de
histórias. Tudo isso marcou o
meu trabalho de escritor, em
opções estilísticas, em formas
de comunicar, obrigando-me a
incorporar, consciente e inconscientemente, na linguagem literária, traços da oralidade. Creio que essa presença ficará sempre no que escrever.
Narro mais do que escrevo.
FOLHA- A identidade angolana
ainda é central em sua obra?
VIEIRA- Num país jovem como
Angola, um Estado que não tem
meio século, como deixar de
ser? É para seus cidadãos. Em
permanente construção, diálogo e confronto com outras
identidades, tudo ampliado pela inclusão em espaços regionais, globais. Felizmente é assunto de presença permanente,
mesmo que em conflitos e contradições que, à primeira vista,
podem parecer perda de tempo
e energia, mas que a necessidade histórica justifica.
FOLHA - Seus livros foram em parte
escritos na prisão, quando lutou pela independência de Angola. O que
representava escrevê-los?
VIEIRA- Representavam um
modo de resistência à desagregação psicológica e espiritual. E
um modo de sobrevivência espiritual, trabalhando e retrabalhando o material acumulado
na memória. Porque nos impunham um viver em ambiente de
desertificação intelectual. Para
mim, também de esclarecimento pessoal, avaliação e revisão permanentes dos motivos
de minha presença naquelas
prisões e participação no movimento de libertação no meu
país. Nunca esqueci que era
branco, instruído, classe média.
FOLHA - O senhor identifica interseções entre sua obra e a de Guimarães Rosa, em especial o caráter lúdico e reinvenção de linguagem de
"Luuanda" e "Primeiras Estórias".
VIEIRA- Com Guimarães Rosa
aprendi muito. O caráter lúdico, menos. Mas e sobretudo a liberdade para criar uma linguagem literária a partir de materiais de outras linguagens.
Aprendi que essa liberdade tem
sempre em si o conhecimento,
e não a ignorância, da língua em
que escreve. E que implica ainda uma grande responsabilidade que só pode ser exclusivamente assumida por quem escreve. Não adiantam defesas
acadêmicas ou outras. Seu resultado é sempre um risco, uma
aposta. Mas foi isso que o bom
professor Guimarães Rosa ensinou a um mau aluno.
Com Jorge Amado aprendi
também, aprendi a ver o mundo dos oprimidos, dos explorados. Ele me ajudou em minha
formação pessoal e literária
com a teimosa procura ou presença da beleza, da poesia, mesmo lá onde ela não pode morar,
em meio a condições subumanas de existência. E outros como Lins do Rego, Erico e Clarice. Tantos outros que li da literatura mundial e de todos sou
tributário. Não só de língua
portuguesa. Sou escritor porque primeiro, fui leitor, lia tudo
o que me vinha às mãos.
informações: www.baladaliteraria.org
Texto Anterior: Balada das letras Próximo Texto: Frases Índice
|