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Comentário
Com a Modern Sound na cidade, não precisávamos viajar em busca de discos
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Assim que botei no bolso
meu primeiro salário em jornal, tomei um táxi na avenida
Gomes Freire, na Lapa, fui direto à Modern Sound, em Copacabana, e comprei um LP importado do pianista e cantor de
jazz Fats Waller, que tenho até
hoje. Isso foi em 1967, e a Modern Sound também estava no
começo.
Desde então, nesses 42 anos,
calculo ter deixado lá o valor de
um ou dois apartamentos, em
milhares de LPs, CDs, videolasers e DVDs - e não me arrependo de nenhum deles. Acompanhei a luta de Pedro Passos
por todos esses anos, adaptando-se a cada novo formato que
a indústria inventava para vender música, até fazer da Modern Sound, em minha opinião,
a melhor loja de discos do mundo no seu tamanho - um meio-termo entre uma gigamega e
uma loja de esquina.
E olhe que conheci a Tower, a
Virgin e a HMV de vários países
e, antes dessas, a Sam Goody's,
a Colony, a RKO e outras grandes lojas de Nova York.
A Modern Sound era, de longe, a melhor: tinha quase todos
os discos de jazz, cantores,
Broadway, cinema, rock e clássicos que as outras tinham, e
mais a música popular brasileira completa (que elas não tinham) e a música de qualquer
país do mundo -Islândia, Venezuela, África do Sul-, mesmo que fosse apenas na forma
de um único LP ou CD.
O Rio e todos nós lhe devemos muito da nossa formação
musical. Por causa da Modern
Sound, não precisávamos viajar
para comprar discos.
Pedro não gosta só de música, gosta também de disco, e conhece tudo. Nunca trabalhou
com outra coisa e é amigo de todos os músicos do Rio desde os
anos 50. Seu filho Pedro Otavio
herdou essa cultura e acrescentou sua capacidade para produzir shows no bistrô Allegro,
criado há alguns anos no local.
Algumas das noites mais inesquecíveis que passei nos últimos dez anos foram ali, ouvindo os cobras do samba-jazz que
passaram e passam por lá.
Mas veio a crise e, quando todas as megastores internacionais já ameaçavam fechar as
portas, no começo do século 21,
Pedro ainda estava se atrevendo a expandir a loja, aumentando o estoque e fazendo grandes
planos. Se passara por todas as
crises e continuara invicto, por
que não superaria mais esta?
Nunca deixei de frequentar a
Modern Sound e até hoje procuro ir lá toda semana. Conheço seus funcionários um a um,
dos vendedores de discos aos
garçons e os frequentadores -
é mais que um clube, é a minha
casa. E gosto de levar gente de
fora para visitá-la.
Um dos últimos foi o jornalista espanhol Carlos Galilea,
do "El País". Acabado o show
no bistrô, o contrabaixista Bebeto Castilho sentou-se à nossa
mesa e começou a contar histórias. Galilea mal acreditava que
estava diante do lendário músico do Tamba Trio, que toca ali
toda quarta-feira. É o único lugar do mundo onde se pode ouvir música fabulosa pelo preço
de uma Coca-Cola.
Como pode morrer um lugar
assim?
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