São Paulo, sábado, 14 de novembro de 1998

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DISCO LANÇAMENTOS
Tributo tira Sérgio Sampaio das trevas

Reprodução/Folha Imagem
Foto de 73 do cantor e compositor capixaba Sérgio Sampaio (1947-1994), homenageado com disco-tributo


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

"Balaio do Sampaio" é CD-tributo que reúne artistas como Erasmo Carlos, Jards Macalé, Luiz Melodia, João Bosco, Lenine, João Nogueira e outros em torno da figura de Sérgio Sampaio. Mas... quem é Sérgio Sampaio?
Bem, trata-se de mais um daqueles artistas ditos "malditos", que, sepultados várias vezes quando ainda vivos, dão de ser exumados depois de mortos. A atual exumação se dá por iniciativa do compositor carioca Sérgio Natureza, 51, amigo e parceiro de Sampaio, que havia cerca de quatro anos tentava consumar o projeto.
"Sérgio era um compositor maiúsculo, atemporal. Fazia um trabalho não sectário, capaz de abranger várias camadas de público", justifica Natureza. "Mas prestaram pouca atenção nele. Ele foi polêmico, não aceitou as regras do mercado. Alguns acham que era inflexível, eu discordo. Ele era firme, talvez teimoso."
Parceiro de Raul Seixas no início dos anos 70, o capixaba Sérgio Sampaio (1947-1994) cravou apenas um sucesso de rádio em sua carreira -"Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua", inscrita no 7º Festival Internacional da Canção (72).
Sua canção, de entrelinhas próprias para interpretações políticas, esteve prestes a ser desclassificada. Só pôde permanecer na disputa graças à interferência da presidente do júri, Nara Leão, também nascida no Espírito Santo.
"Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua" perdeu o festival para "Fio Maravilha", de Jorge Ben, defendida por Maria Alcina. Mas o compacto em que foi incluída vendeu cerca de 500 mil cópias.
Sampaio nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, como Roberto Carlos, um de seus ídolos. Seu sonho era que o conterrâneo um dia gravasse uma canção sua.
O mais perto que chegou de realizá-lo foi entregar "Feminino Coração de Deus" a Erasmo Carlos, que a gravou em 81 e a regrava em "Balaio do Sampaio". Ou então o fato de que "Meu Pequeno Cachoeiro", cartão de visita de Roberto Carlos em 70, foi composta por Raul Sampaio, tio de Sérgio.
Para afogar a mágoa de não receber o aval do ídolo, compôs "Meu Pobre Blues" (lançada num compacto em 74 e agora regravada, também pela segunda vez, por Zizi Possi). Nela, reclama: "Eu nunca mais parei de tentar/ mostrar meu blues procê cantar/ foi inútil".
² Trajetória
Antes de artista, Sampaio foi locutor de rádio em Cachoeiro do Itapemirim. Porque queria fazer música, migrou em 1967 ao Rio de Janeiro -onde, a princípio, continuou a ser locutor.
"Por volta de 1970, ele estava desempregado, mas não queria voltar mais para Cachoeiro. Passou por uma série incontável de privações", lembra Natureza.
Acabou batendo à porta de Raul Seixas, "o" produtor de jovem guarda do final dos 60, ele próprio ainda artista semidesconhecido (apesar de ter lançado, em 1968, o LP de iê-iê-iê à brasileira "Raulzito e Os Panteras").
"Raul ficou alucinado com Sérgio Sampaio, disse que ele precisava gravar imediatamente", conta Natureza. O resultado acabou sendo o LP "Sessão das 10" (71), disco da Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, ou seja, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e o futuro glitter Edy Star.
Raul e Sérgio foram parar no 7º FIC e, na sequência, na Philips (hoje PolyGram), onde estrearam solo, em 73 -Raul com "Krig-Ha Bandolo!", Sérgio com "Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua...".
Sérgio revelou-se, aí, produto de uma série de influências. "Torquato Neto era uma das referências dele, mas adorava também Orlando Silva, João Gilberto, Mick Jagger, Caetano, Roberto Carlos, Paulinho da Viola", enumera Natureza, parceiro de Sampaio em "Velho Bode" (76) e "Cabra Cega" (83).
A sina parecia ser a de homem de um sucesso só. O primeiro LP, que não acompanhou o estouro da faixa do festival, já o antagonizou com a indústria.
"Ele virou superstar da noite para o dia, ídolo nacional. Mas não queria isso, não se adequava, não estava preparado. Deu uma pirada", define Natureza. A ciranda de drogas e bebida veio de roldão.
"Tem Que Acontecer" (76), segundo disco solo, pela Continental, expunha desde o título a pressão ao seu redor. Não aconteceu. Só conseguiu gravar outro disco em 82. "Sinceramente", lançado de forma independente em 83, foi bancado pelo próprio artista.
Daí em diante, Sampaio passou a viver escorado por direitos autorais -"Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua" transformou-se em sucesso recorrente, todo fevereiro.
² Inéditos
Em 93, Sérgio voltou aos estúdios para fazer um disco que seria lançado pelo selo independente Baratos Afins. Chegou a preparar 12 músicas, mas morreu de pancreatite, em 94.
O dono da Baratos Afins, Luiz Calanca, mantém em seu poder as canções, gravadas em voz e violão. "Me senti mal em lançar depois da morte, ia parecer oportunismo. Depois, perdi contato com os familiares. Mas continuo totalmente aberto a lançar o disco", diz.
Natureza tenta explicar o porquê de elaborar o CD-tributo e manter inéditas as inéditas de Sérgio Sampaio: "Seria um disco lançado sem alcance, a própria mulher dele achou que seria simplesmente um disco a mais. Esperamos que o tributo volte a chamar atenção para ele, aí quem sabe...".
Assim, enquanto Chico César, Zeca Baleiro, Eduardo Dusek, Elba Ramalho, Renato Piau (músico da banda de Sampaio nos 70) e os já citados se unem para dar nova voz a Sérgio Sampaio, sua própria voz permanece calada.
"Sessão das 10" chegou a sair em CD em tiragem minúscula, pelo selo independente Rock Company. Os demais LPs nunca chegaram ao CD -PolyGram e Continental afirmam não ter planos de relançar Sérgio Sampaio.



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