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LIVRO/LANÇAMENTO
"A ALEGRIA"
Livro é reunião de contos sobre o tema, escritos por Modesto Carone e João Gilberto Noll, entre outros
Obra vê o fortuito e o efêmero do sentimento
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O time é de peso. Modesto
Carone, Valêncio Xavier,
Milton Hatoum, Nelson de Oliveira, Zulmira Ribeiro Tavares,
dentre outros craques. O jogo se
dá em torno das alegrias e também das mazelas de que é feita
"nossa dissonância ancestral" (a
expressão é de Hatoum).
São contos, mas o fecho é um
texto do bergsoniano Bento Prado Jr. sobre gol supostamente genial marcado por Ronaldinho
Gaúcho na última Copa do Mundo. Argumenta o filósofo que a
perfeição tem algo do acaso ("como se a natureza se tornasse cúmplice"), mas se fundamenta na
vontade, na intenção original do
artista, ou, no caso, do jogador.
Vale comparar esse momento
de felicidade criativa à minguada
alegria com que são contemplados os personagens das histórias.
Como no caso do futebolista, o
sentimento de júbilo é coisa momentânea, embora possa prolongar-se por algum tempo, além de
se amparar em circunstâncias fortuitas. Mas, ao contrário do que
ocorre na trama esportiva, há
pouca intenção na ação dos personagens. Enredados em forças
além de sua compreensão, eles se
vêem de súbito premiados pela felicidade, a qual, tão logo os galardoa, parece empurrá-los de volta
à máquina marasmática da vida.
Desse modo surge "o conhecimento essencial de um único momento", vislumbrado pelo narrador de "À Margem do Rio", de
Modesto Carone, quando perde a
virgindade para uma bailarina de
circo. Ou a alegria torta do seu
Onofre em "Gol?", de Nelson de
Oliveira, que, jogando pelota "no
meio da meninada", fica feliz fazendo "papel de bobo".
O professor de "A Expedição",
de João Gilberto Noll, e o de
"Zoiúda", de Luiz Vilela, pontilham sua solidão com pequenas
satisfações. No conto de Luiz
Schwarcz, uma "agitadora" de
bandeira em concessionária sorve
um naco de prazer ao passear em
um dos "carrões" que promove.
De conduta um pouco mais independente é o "sem-teto ocasional" de Zulmira Ribeiro Tavares.
Adão pensador da região dos Jardins ("onde não há nenhum"),
em São Paulo, escandaliza a burguesia ao deitar-se ali com sua
Eva, uma Macabéa rediviva, à
sombra de uma árvore. Portador
do conhecimento que lhe faculta
relativa liberdade, ele é, contudo,
incapaz de impedir Eva (na verdade, Orfília) de ser expulsa, por
ignorância dela, do paraíso de
concreto, num dos episódios mais
engraçados e pungentes do livro.
As ficções de "A Alegria" foram
publicadas no caderno Mais! entre dezembro de 2001 e novembro
de 2002, com exceção dos inéditos
de Schwarcz e de Livia Garcia-Roza. As fotos de Eder Chiodetto que
acompanham o volume, dialogando com as histórias, merecem
artigo à parte.
A Alegria
Autor: vários
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 19,90 (96 págs.)
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