São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"A ALEGRIA"

Livro é reunião de contos sobre o tema, escritos por Modesto Carone e João Gilberto Noll, entre outros

Obra vê o fortuito e o efêmero do sentimento

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

O time é de peso. Modesto Carone, Valêncio Xavier, Milton Hatoum, Nelson de Oliveira, Zulmira Ribeiro Tavares, dentre outros craques. O jogo se dá em torno das alegrias e também das mazelas de que é feita "nossa dissonância ancestral" (a expressão é de Hatoum).
São contos, mas o fecho é um texto do bergsoniano Bento Prado Jr. sobre gol supostamente genial marcado por Ronaldinho Gaúcho na última Copa do Mundo. Argumenta o filósofo que a perfeição tem algo do acaso ("como se a natureza se tornasse cúmplice"), mas se fundamenta na vontade, na intenção original do artista, ou, no caso, do jogador.
Vale comparar esse momento de felicidade criativa à minguada alegria com que são contemplados os personagens das histórias. Como no caso do futebolista, o sentimento de júbilo é coisa momentânea, embora possa prolongar-se por algum tempo, além de se amparar em circunstâncias fortuitas. Mas, ao contrário do que ocorre na trama esportiva, há pouca intenção na ação dos personagens. Enredados em forças além de sua compreensão, eles se vêem de súbito premiados pela felicidade, a qual, tão logo os galardoa, parece empurrá-los de volta à máquina marasmática da vida.
Desse modo surge "o conhecimento essencial de um único momento", vislumbrado pelo narrador de "À Margem do Rio", de Modesto Carone, quando perde a virgindade para uma bailarina de circo. Ou a alegria torta do seu Onofre em "Gol?", de Nelson de Oliveira, que, jogando pelota "no meio da meninada", fica feliz fazendo "papel de bobo".
O professor de "A Expedição", de João Gilberto Noll, e o de "Zoiúda", de Luiz Vilela, pontilham sua solidão com pequenas satisfações. No conto de Luiz Schwarcz, uma "agitadora" de bandeira em concessionária sorve um naco de prazer ao passear em um dos "carrões" que promove.
De conduta um pouco mais independente é o "sem-teto ocasional" de Zulmira Ribeiro Tavares. Adão pensador da região dos Jardins ("onde não há nenhum"), em São Paulo, escandaliza a burguesia ao deitar-se ali com sua Eva, uma Macabéa rediviva, à sombra de uma árvore. Portador do conhecimento que lhe faculta relativa liberdade, ele é, contudo, incapaz de impedir Eva (na verdade, Orfília) de ser expulsa, por ignorância dela, do paraíso de concreto, num dos episódios mais engraçados e pungentes do livro.
As ficções de "A Alegria" foram publicadas no caderno Mais! entre dezembro de 2001 e novembro de 2002, com exceção dos inéditos de Schwarcz e de Livia Garcia-Roza. As fotos de Eder Chiodetto que acompanham o volume, dialogando com as histórias, merecem artigo à parte.


A Alegria
    
Autor: vários
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 19,90 (96 págs.)



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