São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"LINHAGENS DO PRESENTE"

Aijaz Ahmad considera o movimento estético um mero reflexo ideológico do imperialismo

Marxista indiano ataca o pós-modernismo

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alto nível o professor de Nova Déli, conhecedor da tradição ocidental, mas entronizado na cultura indiana, o que deveria para nós ser objeto de meditação, inclusive porque Aijaz Ahmad está antenado em nós.
A colonização européia da Índia só foi possível graças à riqueza roubada da América Latina; todavia, o autor não curte o conceito de Terceiro Mundo, assim como a idéia de uma literatura Terceiro Mundo. Sobressai a diferença para quem é familiarizado com nossa tradição terceiromundista, a exemplo de um Glauber Rocha.
Ao contrário daqui, onde nascemos coloniais, lá na Índia o terceiromundismo é um dispositivo para esvaziar a noção de classe, de colônia e de Império.
O mais interessante desse livro, cujo autor é um tipo de José Guilherme Merquior de esquerda da Índia, é a crítica arrasadora ao pós-modernismo como "um estilo cultural norte-americano".
Ahmad não tem papas na língua: o problema da humanidade é o imperialismo. Seu reflexo ideológico é o pós-modernismo, que decreta a morte do marxismo, do socialismo e do nacionalismo. Ou seja: Marx está morto, assim como o Estado-Nação, o que conta é o prazer do texto e o jogo do significante, o que corresponde à aprovação do capitalismo por este oferecer o gozo dos bens e serviços. O Deus mercado.
É a chamada crise do sujeito. A apoteose da impotência. O fim da história. Não mais terá sentido "falar de origens, coletividades, projetos históricos determinados". Nesse esquema, os teóricos da pós-modernidade são os viajantes: os "traveling theorists".
Para esses tripiteóricos erráticos, é estupidez atribuir papel histórico para a classe operária. É a voga do desconstrutivismo, onde a exorbitação da linguagem passa a ser o demiurgo da história. A pós-modernidade é a cachaça dos "homens de letras", incrustados em departamentos de teoria literária que rezam o fetichismo do estruturalismo grafocrático.
Eis a genealogia da pós-modernidade segundo Ahmad: Lévi-Strauss virando moda intelectual parisiense por meter o sarrafo no historicismo de Sartre. De lá para cá, Foucault, Derrida, Lyotard, Glucksmann, Deleuze, Gattari, Barthes, Paul de Man e Harold Boom. Não só em Nova Déli esses autores arrebentam a boca do balão acadêmico. Com certeza eles estão na crista da onda em Pequim ou em Quixeramobim.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)


Linhagens do Presente
    
Autor: Aijaz Ahmad
Editora: Boitempo Editorial
Quanto: R$ 38 (287 págs.)


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