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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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CRÍTICA

Crianças são reduzidas a consumidores

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Desde a semana passada, crianças menores de 14 anos não podem participar de comerciais de TV. Isso na Itália. A lei foi votada no meio de um pacote de medidas que reforma as telecomunicações no país e favorece o império televisivo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi.
Claro que a decisão está deixando publicitários e anunciantes italianos de cabelos em pé. Mesmo para o espectador, é quase inconcebível imaginar publicidade na televisão sem a participação de crianças, acostumados que estamos a vê-las estrelando comerciais de toda a espécie. Mas a decisão abre uma discussão instigante para o Dia Internacional da Criança na TV, que é comemorado hoje.
Será que, em alguma medida, não é necessário e urgente proteger a infância dos apelos do mercado? Digamos, que, a esta altura, apelo já é uma palavra demasiado benéfica para descrever o que o mercado vem exigindo da sociedade. Trata-se da adesão incondicional e acrítica à sua lógica e aos seus valores, se é que dá para falar em valores.
É só puxar pela memória que qualquer um de nós descobre sua coleção particular de propagandas em que as crianças são objetificadas como consumidores de forma aviltante. Aparentemente poderosas e glamourosas, as crianças de comercial de TV são reduzidas a máquinas de comprar e pressionar adultos a consumir as coisas certas.
Dois exemplos, tomados mais ou menos ao acaso, sintetizam os extremos a que chega a propaganda que tem crianças como protagonistas. O comercial de um refrigerante popular sabor guaraná mostrava a cena de um pai e um filho no supermercado. Quando o pai se dirige à gôndola do refrigerante "errado", o rosto da criança se entristece profundamente. Na cena seguinte, vemos o menino ainda muito cabisbaixo e abatido. O pai, rendido, finalmente aparece com o refrigerante X e, com isso, o rosto da criança se ilumina.
O outro trabalhava com a mesma idéia de chantagem que as crianças fazem com os pais para vender um automóvel caro. Um garoto no banco de trás de um carro pede para o pai parar antes porque não quer ser visto pelos colegas; a cena se repete com uma filha e uma mãe. Na próxima, vemos um garoto que faz questão de ser deixado na frente da festa ou da balada porque seus pais, mais bem treinados, já trocaram o carro mixo pelo carro bacana.
Em ambos, a relação das crianças com os pais é tratada com tal cinismo e brutalidade que transforma os últimos em meros realizadores de impulsos consumistas e os primeiros, em consumidores vorazes ao ponto da tortura psíquica.
PS - Semana passada, a coluna cometeu um lapso, ao se referir à turma de "Friends" como "os amigos do Central Park". Na verdade, o café onde eles se encontram chama-se Central Perk.

biabramo.tv@uol.com.br


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