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CRÍTICA/DUO ASSAD
O que se fez para se chegar aonde se está
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Iô achus "rmãos Assad uj
mlhorij do mund'!" E quem
somos nós para discordar? Era
Nadja Salerno-Sonnenberg falando, com seu simpaticíssimo e inimitável sotaque, de cima do palco
da Sala São Paulo. Lado a lado
com os melhores do mundo, a
violinista já tinha tocado uma primeira parte inteira do concerto; e
a essa altura ninguém mais tinha
dúvida de que ela tinha o direito
de falar assim. Não só pelo que
eles tocam, mas pelo que ela mesma faz, com a autoridade natural
de uma artista em pleno domínio
da música, o que também significa pleno domínio de si.
Nascida em Roma, criada nos
EUA, catapultada para a fama no
início da década de 80, quando
venceu o concurso internacional
Naumburg e começou a gravar
discos -aparecendo nas capas
com roupa de roqueira, o que na
época era uma novidade total no
mundo clássico-, Salerno-Sonnenberg está hoje naquele ponto
da carreira quando, em retrospecto, tudo parece ter feito sentido
para se chegar aonde se está. Inclusive na música: tudo agora tem
a naturalidade da maestria, tudo é
ao mesmo tempo de uma sofisticação muito complexa e de uma
simplicidade elementar, porque
nada poderia ser de outro modo.
Em cena, ela é irresistível, com
sua informalidade e bom humor.
Uma mistura de Jascha Heifetz e
Marisa Orth, desfiando proezas
de articulação e dinâmica, em
contraponto com a graça mais livre.
Dizer que Sérgio e Odair Assad
são parceiros à altura parece pouco. Eles vêm tocando juntos com
a "madrinha" americana desde
1998, como fica óbvio desde o começo e mais óbvio ainda ao longo
do concerto. Ou deveria ficar:
quem estava no mezanino na primeira parte ganharia muito correndo para os poucos lugares vazios da platéia, na segunda, porque as vastidões da Sala São Paulo
simplesmente não fazem justiça à
música de câmara, mesmo discretamente amplificada. Mais de
perto, tudo tinha mais cor, detalhe, nuance, sombra e luz.
O que valorizava muito o programa. Era domingo à tarde, e
ninguém reclamaria de uma seleção tão leve: uma suíte de peças,
entre aspas, "ciganas" de Sérgio
Assad, quatro Piazzollas, um pot-pourri de Charlie Chaplin (temas
de "Luzes da Cidade" [1931] e
"Em Busca do Ouro" [1925]),
uma versão da "Sonata BWV
1016" de Bach, as "Danças Folclóricas Romenas" de Béla Bartók,
"Três Danças Argentinas" de Ginastera e a estréia paulista dos
"Three Sketches" de Clarice Assad (filha de Sérgio, autora também de um "Concerto para Violino e Orquestra" recentemente estreado por Salerno-Sonnenberg).
Um ponto alto: as danças de Ginastera (incluindo a "Danza de la
Moza Dañosa", moça que ganhou
novos ares "nocivos" no violino).
Outro: os "Sketches". Algum tempo atrás, uma compositora como
Clarice Assad seria mastigada pelas militâncias da vanguarda
(com argumentos justos, naquele
momento). Hoje, está livre para
escrever essa música francamente
tonal, metabolizando Piazzolla e
Gismonti num registro próprio,
na medida competente e confiante de suas ambições.
Teria sido bom escutar Salerno-Sonnenberg tocando algo que demandasse mais de si? Claro. Mas
quem não viu que ela extrai o máximo de música de uma colcheia
que seja? Assads idem.
Quando os irmãos fizeram o seu
número chapliniano no bis, tocando os dois juntos num violão
só, acompanhando virtuosisticamente a virtuose como se não fosse nada, a tarde já estava ganha e a
platéia de alma limpa. Foi um desses concertos que deixam a gente
feliz por cinco dias, olhando para
o céu de verão e abençoando as
oportunidades. Tudo até parece
ter feito sentido para se chegar
aonde se está.
Avaliação:
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