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MODERNISMO
Evento em SP com palestras, debates e shows reúne intelectuais de vários países para discutir o legado de Oswald
Antropofagia devora a atualidade no EIA!
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Intelectuais de vários países reúnem-se, em São Paulo, para discutir o legado e a atualidade da
antropofagia de Oswald de Andrade. Em 1928, no "Manifesto
Antropófago", o escritor modernista propôs que a cultura brasileira se renovasse a partir da assimilação crítica de idéias e modelos estrangeiros.
Dirigido e concebido pelo diretor de teatro José Celso Martinez
Corrêa, o EIA! (Encontro Internacional de Antropofagia) acontece
de hoje a sábado, no Sesc Pompéia. A programação inclui palestras, debates, shows, leituras teatrais e uma instalação do artista
plástico Aguilar.
Em entrevista à Folha, o norte-americano Christopher Dunn
-professor da Tulane University
de Nova Orleans e autor do livro
"Brutality Garden: Tropicália and
the Emergence of a Brazilian
Counterculture"- antecipa aspectos da palestra que fará na sexta-feira. E defende a validade da
antropofagia na violenta era
Bush. Leia a seguir.
Folha - Como seus alunos encaram o conceito da antropofagia?
Christopher Dunn - A metáfora
da antropofagia é plurivalente,
com múltiplos significados. A noção mais básica se refere ao procedimento de deglutir ou apropriar-se criticamente de produtos culturais ou idéias do outro, do estrangeiro dos centros metropolitanos, para então criar algo novo
com a marca da singularidade de
sua cultura. É um procedimento
que rejeita a imitação, por um lado, e a rejeição xenófoba, por outro. Em geral, os estudantes norte-americanos ficam entusiasmados
com esse conceito e suas possíveis
aplicações no contexto local.
Folha - A antropofagia ainda é
tão válida quanto era no final dos
anos 20?
Dunn - Acho que a antropofagia
continua a ser um conceito atual
para artistas que lidam com questões da diferença, mistura de linguagens, intertextualidade e multiculturalismo. Estamos vivendo
um momento terrível, com a ascensão do neoimperialismo criminoso dos Estados Unidos e o
crescimento de fundamentalismos religiosos, que Oswald de
Andrade teria chamado de "baixa
antropofagia". Essa precisa ser
enfrentada com a antropofagia
generosa e utopia de Oswald.
Folha - Como se daria esse enfrentamento?
Dunn - Se aceitamos que a antropofagia é uma estratégia e práxis
anticolonialista e antiimperialista,
temos que atualizar suas lições
para os dias atuais. Não estou sugerindo que a antropofagia seja a
salvação, mas não deixa de ser
uma metáfora sugestiva para lidar
com as formas de "catequese" explícitas no projeto imperialista
norte-americano, que hoje procura, cinicamente, "levar a democracia" ao Oriente Médio.
Folha - Você poderia fazer uma sinopse de sua palestra no encontro?
Dunn - Minha apresentação trata do conceito da antropofagia no
modernismo brasileiro e como
ele foi articulado por Oswald em
relação a outras correntes que
também elegeram o índio como
figura representativa. Depois explico como e porque essa metáfora surgiu de novo como conceito
organizador de vários projetos artísticos ligados ao momento tropicalista, nos anos 60.
Finalmente, vou falar sobre a
antropofagia no contexto da globalização, refletindo sobre o conceito de "arrastão" desenvolvido
pelo tropicalista Tom Zé para articular uma prática e uma ética enquanto músico brasileiro contemporâneo.
Folha - Você acha que Tom Zé recriou a antropofagia?
Dunn - Em vez do antropófago,
do índio canibal, Tom Zé propõe
a figura do andróide, o trabalhador analfabeto, terrivelmente explorado como mão-de-obra barata e descartável. Para Tom Zé, esses andróides podem ter "defeitos
de fabricação" que possibilitam a
resistência por meio de atos subversivos de criar, pensar, dançar e
sonhar, enquanto fazem "arrastão" no legado cultural do qual
são excluídos. Acho muito interessante essa metáfora, porque ela
sugere explicitamente a posição
social da figura subalterna, que a
metáfora do antropófago tende a
ocultar.
Carlos Calado é jornalista e crítico, autor de "A Divina Comédia dos Mutantes", entre outros livros.
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