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Em SP, Manu Chao fala de festa e revolução
Músico lança o álbum "La Radiolina", que tem canções de trilhas de filmes
Cantor franco-espanhol está entusiasmado com ebulição social na Venezuela, mas acha que Chávez está querendo aparecer demais
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"O que eu sei é que a avenida
Paulista está para o lado de lá",
diz Manu Chao quando questionado sobre o que acha de São
Paulo. O músico franco-espanhol, que se sente em casa em
várias metrópoles pelo mundo,
levando-as para as letras de
suas canções, sente-se perdido
na "grande Babylon" brasileira.
"Não sei me orientar aqui, mas
gosto desta bagunça."
Na cidade para participar de
eventos de lançamento de seu
mais recente CD, "La Radiolina", Manu Chao, 46, recebe a
Folha para um papo num bar
no Itaim. Não dá para saber se é
uma dose de cachaça que o faz
soltar a verve. A verdade é que o
cantor estoura de longe os 20
minutos de entrevista estipulados com rigidez pela gravadora.
O músico que virou ídolo da
juventude antiglobalização
desde o finzinho do século 20
não larga a simpatia pelos movimentos de esquerda -e nem
a camiseta vermelha. Como era
de se esperar, está animado
com a Venezuela.
"Não me interessa falar de
Chávez, ele está querendo protagonizar demais e isso não é
bom. Mas essa euforia popular
é muito bonita. O país ferve de
idéias e de esperança."
Apesar do entusiasmo revolucionário, "La Radiolina" é um
álbum mais variado. A política
perde espaço para faixas melancólicas e canções independentes umas das outras.
O recurso de usar bases melódicas parecidas, comum nos
anteriores "Próxima Estación:
Esperanza" (2001) e "Radio
Bemba Sound System" (2002),
aqui surge contido.
"As pessoas vivem dizendo
que sou repetitivo, porque faço
menções e uso referências de
músicas do passado. Mas não
acho essa crítica pertinente.
Primeiro porque não me sinto
obrigado a me dobrar diante
dessa "ditadura do novo". Minhas canções que têm continuidade seguem uma idéia que
vai além dos discos. Depois, "La
Radiolina" tem canções fechadas em si mesmas."
Na rua
Este é o caso de "Me Llaman
Calle", a canção mais bacana do
CD. Escrita para o filme "Princesas" (2005), do amigo espanhol Fernando León de Aranoa, a letra baseia-se no nome
da protagonista, a prostituta
Caye. Na canção, Caye vira "calle" (que significa rua), e Chao
explora o universo da prostituição, também eixo da película.
"Foi uma música que saiu fácil, o nome da personagem desencadeou os versos automaticamente." Com ela, ganhou o
Prêmio Goya (o mais importante do cinema espanhol),
mas não foi buscar a estatueta.
Em seu lugar, mandou as moças cujas histórias o filme retrata. "Sou muito grato à experiência de gravar essa música. Passar algum tempo com as prostitutas me fez conhecer sua delicadeza e sua força para enfrentar tantas dificuldades."
Chao considera que aqueles
que tomam suas músicas meramente como panfletos políticos
não a percebem por inteiro. O
disco "Clandestino" (1998), que
o projetou internacionalmente
com a faixa-título e "Desaparecido", falava de questões então
momentosas, a imigração -política ou econômica-, a falta de
horizonte para os excluídos no
Primeiro Mundo. Difícil não
considerá-lo político, não?
"Mais ou menos, é a história
da minha família, são letras autobiográficas." Seu pai nasceu
na Galícia, a mãe, em Bilbao.
Ambos fugiram da Espanha para a França durante a ditadura
de Franco (de 1939 a 1975).
Ele exemplifica com a letra
de "Desaparecido", do mesmo
disco. Ela diz: "Me llaman el desaparecido, que cuando llega ya
se ha ido". "Esse sou eu. A vizinha de meu pai, na Galícia,
sempre que chego para visitá-lo, diz: "Aí vem o desaparecido.
Ou seja, sou eu, apenas um sujeito que não pára num lugar".
Mas a leitura política é inevitável em alguns lugares, como a
Argentina. As pessoas logo associam a idéia de "desaparecido" com as vítimas da ditadura
militar. "Natural, pois muita
gente morreu assim lá. Mas não
me importo com as leituras e
interpretações que estão além
do que eu escrevi. Isso é o bonito de fazer música. Saber que as
pessoas entendem outras coisas a partir de suas idéias", diz.
Assumidamente engajadas
no álbum são "Politik Kills" e
"Rainin" in Paradize", que faz
referências à Guerra do Iraque.
Ambas lembram, musicalmente, trabalhos do Mano Negra, grupo formado por Chao, o
irmão e um primo. Existiu entre 1987 e 1995 e inovou ao misturar reggae e rock, sempre
com uma levada enérgica.
O Mano Negra bebeu muito
na fonte punk do The Clash, especialmente de trabalhos com
fundo hispânico e latino-americano, como o álbum "Sandinista!" ou canções como "Spanish Bombs". "Aprendi muito
no Mano Negra, e o que há de
punk do meu trabalho hoje deve muito a isso. Meus shows são
punk, o Clash, de algum modo,
está sempre presente."
Downloads
Sobre os efeitos que o download de música pela internet
está causando no mercado,
Chao se diz dividido. "Depende.
Para mim ou para o Radiohead,
não faz diferença soltar músicas na internet. Mas as bandas
novas terão mais dificuldade.
Não por causa da tecnologia, a
que todos têm acesso, mas porque a distribuição ainda é limitada. O que dizer dessa chamada "democratização" que a rede
provoca quando 80% das músicas baixadas são por um único
sistema, o iTunes, que pertence
a uma grande corporação?"
Uma transformação que vê
como inevitável diz respeito à
formação das bandas. Se antes
para formar um grupo de rock
eram necessários apenas um
baixista, um baterista, um guitarrista e um cantor, diz, agora
a situação é outra.
"O cara que controla a música, que opera o computador, é
um novo componente indispensável numa banda."
Além disso, conclui, a única
fórmula de sobrevivência no
mundo da música hoje é fazer
shows. "Para mim, é um prazer,
nunca um problema. Mas para
os que são excelentes músicos
só dentro do estúdio, será mais
difícil, terão de se expor mais.
Mas é a nova regra do jogo."
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