São Paulo, sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

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Em SP, Manu Chao fala de festa e revolução

Músico lança o álbum "La Radiolina", que tem canções de trilhas de filmes

Cantor franco-espanhol está entusiasmado com ebulição social na Venezuela, mas acha que Chávez está querendo aparecer demais

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O que eu sei é que a avenida Paulista está para o lado de lá", diz Manu Chao quando questionado sobre o que acha de São Paulo. O músico franco-espanhol, que se sente em casa em várias metrópoles pelo mundo, levando-as para as letras de suas canções, sente-se perdido na "grande Babylon" brasileira. "Não sei me orientar aqui, mas gosto desta bagunça."
Na cidade para participar de eventos de lançamento de seu mais recente CD, "La Radiolina", Manu Chao, 46, recebe a Folha para um papo num bar no Itaim. Não dá para saber se é uma dose de cachaça que o faz soltar a verve. A verdade é que o cantor estoura de longe os 20 minutos de entrevista estipulados com rigidez pela gravadora.
O músico que virou ídolo da juventude antiglobalização desde o finzinho do século 20 não larga a simpatia pelos movimentos de esquerda -e nem a camiseta vermelha. Como era de se esperar, está animado com a Venezuela.
"Não me interessa falar de Chávez, ele está querendo protagonizar demais e isso não é bom. Mas essa euforia popular é muito bonita. O país ferve de idéias e de esperança."
Apesar do entusiasmo revolucionário, "La Radiolina" é um álbum mais variado. A política perde espaço para faixas melancólicas e canções independentes umas das outras.
O recurso de usar bases melódicas parecidas, comum nos anteriores "Próxima Estación: Esperanza" (2001) e "Radio Bemba Sound System" (2002), aqui surge contido.
"As pessoas vivem dizendo que sou repetitivo, porque faço menções e uso referências de músicas do passado. Mas não acho essa crítica pertinente. Primeiro porque não me sinto obrigado a me dobrar diante dessa "ditadura do novo". Minhas canções que têm continuidade seguem uma idéia que vai além dos discos. Depois, "La Radiolina" tem canções fechadas em si mesmas."

Na rua
Este é o caso de "Me Llaman Calle", a canção mais bacana do CD. Escrita para o filme "Princesas" (2005), do amigo espanhol Fernando León de Aranoa, a letra baseia-se no nome da protagonista, a prostituta Caye. Na canção, Caye vira "calle" (que significa rua), e Chao explora o universo da prostituição, também eixo da película.
"Foi uma música que saiu fácil, o nome da personagem desencadeou os versos automaticamente." Com ela, ganhou o Prêmio Goya (o mais importante do cinema espanhol), mas não foi buscar a estatueta. Em seu lugar, mandou as moças cujas histórias o filme retrata. "Sou muito grato à experiência de gravar essa música. Passar algum tempo com as prostitutas me fez conhecer sua delicadeza e sua força para enfrentar tantas dificuldades."
Chao considera que aqueles que tomam suas músicas meramente como panfletos políticos não a percebem por inteiro. O disco "Clandestino" (1998), que o projetou internacionalmente com a faixa-título e "Desaparecido", falava de questões então momentosas, a imigração -política ou econômica-, a falta de horizonte para os excluídos no Primeiro Mundo. Difícil não considerá-lo político, não?
"Mais ou menos, é a história da minha família, são letras autobiográficas." Seu pai nasceu na Galícia, a mãe, em Bilbao. Ambos fugiram da Espanha para a França durante a ditadura de Franco (de 1939 a 1975).
Ele exemplifica com a letra de "Desaparecido", do mesmo disco. Ela diz: "Me llaman el desaparecido, que cuando llega ya se ha ido". "Esse sou eu. A vizinha de meu pai, na Galícia, sempre que chego para visitá-lo, diz: "Aí vem o desaparecido. Ou seja, sou eu, apenas um sujeito que não pára num lugar".
Mas a leitura política é inevitável em alguns lugares, como a Argentina. As pessoas logo associam a idéia de "desaparecido" com as vítimas da ditadura militar. "Natural, pois muita gente morreu assim lá. Mas não me importo com as leituras e interpretações que estão além do que eu escrevi. Isso é o bonito de fazer música. Saber que as pessoas entendem outras coisas a partir de suas idéias", diz.
Assumidamente engajadas no álbum são "Politik Kills" e "Rainin" in Paradize", que faz referências à Guerra do Iraque.
Ambas lembram, musicalmente, trabalhos do Mano Negra, grupo formado por Chao, o irmão e um primo. Existiu entre 1987 e 1995 e inovou ao misturar reggae e rock, sempre com uma levada enérgica.
O Mano Negra bebeu muito na fonte punk do The Clash, especialmente de trabalhos com fundo hispânico e latino-americano, como o álbum "Sandinista!" ou canções como "Spanish Bombs". "Aprendi muito no Mano Negra, e o que há de punk do meu trabalho hoje deve muito a isso. Meus shows são punk, o Clash, de algum modo, está sempre presente."

Downloads
Sobre os efeitos que o download de música pela internet está causando no mercado, Chao se diz dividido. "Depende. Para mim ou para o Radiohead, não faz diferença soltar músicas na internet. Mas as bandas novas terão mais dificuldade. Não por causa da tecnologia, a que todos têm acesso, mas porque a distribuição ainda é limitada. O que dizer dessa chamada "democratização" que a rede provoca quando 80% das músicas baixadas são por um único sistema, o iTunes, que pertence a uma grande corporação?"
Uma transformação que vê como inevitável diz respeito à formação das bandas. Se antes para formar um grupo de rock eram necessários apenas um baixista, um baterista, um guitarrista e um cantor, diz, agora a situação é outra.
"O cara que controla a música, que opera o computador, é um novo componente indispensável numa banda."
Além disso, conclui, a única fórmula de sobrevivência no mundo da música hoje é fazer shows. "Para mim, é um prazer, nunca um problema. Mas para os que são excelentes músicos só dentro do estúdio, será mais difícil, terão de se expor mais. Mas é a nova regra do jogo."


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