São Paulo, Sábado, 15 de Janeiro de 2000


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O DONO DA MÁSCARA
Nelson Gatto foi repórter das letras maiúsculas

da Reportagem Local

No dia 15 de agosto de 1958, o jornal "Última Hora" anunciava na capa de uma edição extra, de quatro páginas: "PROMESSINHA PRESO".
A detenção de Antonio Rossini, um dos assaltantes mais temidos de São Paulo na época, era apenas mais uma das "façanhas" do repórter Nelson Gatto, que não apenas relatava o episódio, como aparecia na fotografia central aplicando uma gravata na garganta do "facínora".
As letras maiúsculas que marcavam o título da reportagem acompanhariam o jornalista ao longo de sua vida.
Repórter desde os 15 anos, quando começa no diário "A Hora", Gatto passaria por diversas redações e se tornaria um daqueles jornalistas que são mais famosos do que as notícias que cobrem.
No início dos anos 60, ele é destacado para cobrir guerras para os Diários Associados. Produz, então, notícias com letras maiúsculas em Angola, Argélia, Palestina, Coréia e Goa, antigo enclave português na Índia.
Ganhou assim a admiração de Assis Chateaubriand, criadordos Diários. No início de 64, quando o governo de João Goulart, o Jango, decreta regime de cinco horas de trabalho diário para os jornalistas, Chatô escreve: "O verdadeiro homem de imprensa, que palpita dentro de seu ofício, como os repórteres Tico-Tico, Carlos Spera e Nelson Gatto, não pode se sujeitar ao relógio, pois notícia não acontece com hora marcada".
Semanas após o artigo de Chateaubriand, ironicamente, Gatto deixou de lado a carreira de "verdadeiro homem de imprensa". Não que estivesse se sujeitando ao relógio. O jornalista havia sido nomeado, por Jango, chefe do Serviço Federal de Repressão ao Contrabando.
Mas Gatto não ficou longe das letras graúdas dos jornais. Seu nome passou a aparecer nos títulos das notícias, quando ele declarava coisas como: "Contrabando no Brasil é maior do que o Orçamento da República, diz Nelson Gatto".
Menos de um mês depois ele voltaria a ser notícia em todos os jornais. Em 31 de março de 1964, na noite que marcaria o início do governo militar no Brasil, Gatto estava na sede da Companhia Telefônica Brasileira, em São Paulo, quando agentes do Dops cercam o prédio para prendê-lo. Gatto consegue fugir pelo telhado. Semanas mais tarde, ele se entregou e, acusado de "crime contra a segurança nacional", por tentar evitar a exibição nas TVs de um depoimento do governador Adhemar de Barros, Gatto é preso.
Em "Navio Presídio", livro que publicou em 66 e que foi completamente apreendido (e pede até hoje por reedição), ele descreve os 53 dias em que esteve preso e foi torturado no navio Raul Soares, que ficava atracado em Santos, litoral de São Paulo.
Em fevereiro de 1971, é indiciado por pertencer à organização político-militar de esquerda Vanguarda Popular Revolucionária. Na mesma lista, de 57 nomes, estava o economista Henri Philippe Reichstul, atual presidente da Petrobras. Ambos foram absolvidos no mesmo ano.
Gatto voltou ao jornalismo. Ficou nos Diários Associados até o final de 1977, quando, segundo sua mulher, Marlys, foi impedido legalmente de trabalhar em jornais, rádios ou TVs. O jornalista guardou em caixas de papelão os seus pertences (entre eles a máscara de Chatô) e levou para casa. Passou a fabricar portões de aço. Gatto morreu em 1986. (CEM e IF)


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