São Paulo, terça-feira, 15 de janeiro de 2002

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25ª BIENAL DE SÃO PAULO

Representante dos EUA, Kara Walker mostra trabalho que aborda o tema da escravidão em seu país

Sombras da escravidão

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Sombras sempre encantaram os humanos. Desde filósofos gregos como Platão, em seu célebre ensaio sobre a caverna, até crianças, que brincam de criar imagens de animais ou objetos com as próprias mãos. Afinal, está aí o princípio, quase mágico, de se criar uma nova realidade a partir das sombras.
Essa é, justamente, a estratégia da artista norte-americana Kara Walker, 32, que vem ao Brasil representando seu país na 25ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada no dia 23 de março.
Por meio de silhuetas, Walker trata do passado escravocrata nos EUA de maneira poética, sem ser panfletária. "É um assunto que ninguém gosta de abordar, por isso trato ele de maneira indireta", afirma a artista.
Walker já esteve no Brasil, em 99. Veio participar de uma iniciativa do projeto Axé chamada "The Quiet in the Land", em Salvador, na Bahia, ao lado de outros 17 artistas que, por períodos variados, desenvolveram trabalhos com as crianças que fazem parte do projeto. Entre os artistas selecionados por France Morin estão alguns dos mais prestigiados do país, como Tunga e Vik Muniz, além de destaques internacionais, como a colombiana Doris Salcedo e o também norte-americano Larry Clark.
Por telefone, de Nova York, onde vive atualmente, a artista californiana contou à Folha sobre a obra que traz à Bienal, "Slavery! Slavery!", uma criação de 97, e as diferenças culturais que vislumbrou na estada brasileira. Leia a seguir os melhores trechos.

Folha - De quando é a obra que você traz para a Bienal no Brasil e como chegou a ela?
Kara Walker -
São obras de 97, num trabalho que realizei num espaço cultural em Minneapolis. Originalmente chamei-a de "No Place Like Home" [Não Há Lugar como o Lar". É um ciclorama, da forma que era utilizado para propaganda no século 19. Elaborei um trabalho de forma mais subjetiva, a partir de questões relativas ao período escravocrata nos EUA.

Folha - Em geral, seus trabalhos abordam questões relativas aos negros. Por que retratar o tema?
Walker -
Meu pai também é artista, e eu sempre tive a percepção de que, como mulher negra e artista, eu tinha uma espécie de responsabilidade. Fiz muita pintura quando jovem e comecei a trabalhar com imagens que fazem parte da iconografia da escravidão, especialmente a norte-americana. Eu vivia no sul, e há um tipo de romantismo sobre o período antes da emancipação, mas é algo debaixo do tapete, não se fala sobre o passado e sua relação com a situação atual.

Folha - Como foi sua passagem por Salvador e o trabalho com as crianças?
Walker -
Foi pouco tempo. Creio que existe uma diferença cultural que dificulta a compreensão de minha obra no Brasil. Eu respondo a uma geração anterior, que também romantizou questões políticas sobre negros e de certa forma não foi compreendida pelo público em geral, que não gostava de se confrontar com o que eles são, um efeito contra-eficaz. Minha estratégia é contornar o impulso que as pessoas têm de não olhar o que elas precisam ver, fazendo trabalhos que seduzam as pessoas, como as novelas, com temas cotidianos. Já no Brasil, tive a sensação de ironia, como se a sociedade fosse muito liberal, com colecionadores que compram todo tipo de arte, mas não fazem nada para a sociedade, especialmente os negros. A Bahia é o centro da mestiçagem no Brasil, o que é muito mitificado, mas na realidade os negros parecem muito explorados.

Folha - Então não foi uma boa experiência?
Walker -
Na verdade, adorei, tenho ótimos memórias. Aprendi muito, tive experiências ótimas, estou muito feliz em voltar.


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