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25ª BIENAL DE SÃO PAULO
Representante dos EUA, Kara Walker mostra trabalho que aborda o tema da escravidão em seu país
Sombras da escravidão
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sombras sempre encantaram os
humanos. Desde filósofos gregos
como Platão, em seu célebre ensaio sobre a caverna, até crianças,
que brincam de criar imagens de
animais ou objetos com as próprias mãos. Afinal, está aí o princípio, quase mágico, de se criar
uma nova realidade a partir das
sombras.
Essa é, justamente, a estratégia
da artista norte-americana Kara
Walker, 32, que vem ao Brasil representando seu país na 25ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada no dia 23 de março.
Por meio de silhuetas, Walker
trata do passado escravocrata nos
EUA de maneira poética, sem ser
panfletária. "É um assunto que
ninguém gosta de abordar, por isso trato ele de maneira indireta",
afirma a artista.
Walker já esteve no Brasil, em
99. Veio participar de uma iniciativa do projeto Axé chamada
"The Quiet in the Land", em Salvador, na Bahia, ao lado de outros
17 artistas que, por períodos variados, desenvolveram trabalhos
com as crianças que fazem parte
do projeto. Entre os artistas selecionados por France Morin estão
alguns dos mais prestigiados do
país, como Tunga e Vik Muniz,
além de destaques internacionais,
como a colombiana Doris Salcedo
e o também norte-americano
Larry Clark.
Por telefone, de Nova York, onde vive atualmente, a artista californiana contou à Folha sobre a
obra que traz à Bienal, "Slavery!
Slavery!", uma criação de 97, e as
diferenças culturais que vislumbrou na estada brasileira. Leia a
seguir os melhores trechos.
Folha - De quando é a obra que
você traz para a Bienal no Brasil e
como chegou a ela?
Kara Walker - São obras de 97,
num trabalho que realizei num
espaço cultural em Minneapolis.
Originalmente chamei-a de "No
Place Like Home" [Não Há Lugar
como o Lar". É um ciclorama, da
forma que era utilizado para propaganda no século 19. Elaborei
um trabalho de forma mais subjetiva, a partir de questões relativas
ao período escravocrata nos EUA.
Folha - Em geral, seus trabalhos
abordam questões relativas aos
negros. Por que retratar o tema?
Walker - Meu pai também é artista, e eu sempre tive a percepção
de que, como mulher negra e artista, eu tinha uma espécie de responsabilidade. Fiz muita pintura
quando jovem e comecei a trabalhar com imagens que fazem parte da iconografia da escravidão,
especialmente a norte-americana.
Eu vivia no sul, e há um tipo de romantismo sobre o período antes
da emancipação, mas é algo debaixo do tapete, não se fala sobre
o passado e sua relação com a situação atual.
Folha - Como foi sua passagem
por Salvador e o trabalho com as
crianças?
Walker - Foi pouco tempo. Creio
que existe uma diferença cultural
que dificulta a compreensão de
minha obra no Brasil. Eu respondo a uma geração anterior, que
também romantizou questões
políticas sobre negros e de certa
forma não foi compreendida pelo
público em geral, que não gostava
de se confrontar com o que eles
são, um efeito contra-eficaz. Minha estratégia é contornar o impulso que as pessoas têm de não
olhar o que elas precisam ver, fazendo trabalhos que seduzam as
pessoas, como as novelas, com temas cotidianos. Já no Brasil, tive a
sensação de ironia, como se a sociedade fosse muito liberal, com
colecionadores que compram todo tipo de arte, mas não fazem nada para a sociedade, especialmente os negros. A Bahia é o centro da
mestiçagem no Brasil, o que é
muito mitificado, mas na realidade os negros parecem muito explorados.
Folha - Então não foi uma boa experiência?
Walker - Na verdade, adorei, tenho ótimos memórias. Aprendi
muito, tive experiências ótimas,
estou muito feliz em voltar.
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