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Bloom propõe Hamlet como um jogo de xadrez
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Harold Bloom é um "bardólatra" assumido. Logo depois de seu monumental "Shakespeare: A Invenção do Humano",
minuciosa análise de um autor
conceituado como aquele que
criou as bases para a concepção
moderna do homem, ele se penitencia por não ter se aprofundado
como deveria justamente na sua
maior obra e propõe este "Hamlet: Poema Ilimitado" como um
poslúdio, regras em separado para um jogo intrincado.
"Hamlet" é a peça mais complexa. Goethe teria reescrito "Hamlet" em "Fausto"; Beckett, em
"Fim de Jogo"; Pirandello em suas
peças metalingüísticas.
A erudição que perpassa os 25
curtos e contundentes capítulos
de Bloom não deve, no entanto,
afastar o leitor menos embasado.
Ao contrário, idéias-chave são
distribuídas generosamente, como princípios a serem experimentados para que cada um
construa sua própria versão. Assim, Horácio é o representante do
público no palco; o coveiro é o
princípio de realidade; e Yorick, o
bobo que criou Hamlet, cuja caveira surge na mão do príncipe
exilado em um mundo sem humor, seria um espectro muito
mais útil que o do seu pai.
Mais do que nas releituras dos
colegas eruditos, portanto, Bloom
apóia seus argumentos no próprio Shakespeare, sua obra e seu
tempo. Imagina quem seria capaz
de confrontar o sarcasmo de
Hamlet no túmulo de Ofélia: Iago
seria inútil, só Falstaff conseguiria. Por outro lado, é precioso saber que o papel do Ator-rei, convocado pelo príncipe para a armadilha teatral que desmascarará
Cláudio, foi feito pelo próprio
Shakespeare, que assim se oferecia de escada para que seu primeiro ator Burbage pudesse brilhar,
em um generoso duelo de interpretações.
Isto posto, as constantes referências na peça ao ato de representar não são efeito retórico, mas
um doloroso auto-exame de um
gênio solitário, que só vislumbra
um interlocutor na posteridade.
Não há ação na peça que não sirva
para a reflexão sobre a ação, todo
ato é impostura, e "Hamlet", de
ilimitadas interpretações, é como
um quebra-cabeças impossível de
ser montado.
Ou melhor, uma peça a ser
montada por cada um que a lê.
Por isso é oportuna a iniciativa da
edição brasileira, não só de apoiar
as numerosas citações que Bloom
faz do texto na clássica tradução
de Anna Amélia de Mendonça,
como de oferecê-la na íntegra na
seqüência do volume. Recomenda-se a quem ainda não leu a peça, fazê-lo antes, criar suas próprias teorias e depois confrontá-las às apresentadas por Harold
Bloom. É apaixonante como um
jogo de xadrez.
Hamlet: Poema Ilimitado
Autor: Harold Bloom
Tradução: José Roberto O'Shea
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 48,90 (320 págs.)
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