São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2011

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Para o leitor (nem tanto para a cidade)

Maior biblioteca de SP, Mário de Andrade reabre em dez dias após reforma, mas com veto a projeto inicial , que eliminava grades e a ligava à praça

Fotos Mateus Bruxel/Folhapress
A sala de leitura de periódicos da biblioteca, que no projeto abortado daria acesso à praça Dom José Gaspar, ao fundo

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

A Biblioteca Mário de Andrade será reaberta integralmente à população de São Paulo em 25 de janeiro, aniversário da cidade, com muito motivo para festa.
Os acervos geral, de artes e de obras raras voltam a estar disponíveis para consulta e pesquisa. O prédio, joia do art déco paulistano, foi reformado e modernizado e artefatos originais, restaurados.
De volta à sede após anos em diferentes endereços, a seção circulante (para empréstimo de livros), reaberta em julho passado, voltou a atrair leitores. E um edifício vizinho, incorporado à instituição, é reformado para receber o acervo de periódicos.
Mas faltou algo crucial ao pacote concebido originalmente, em 2007, que tinha a biblioteca localizada na esquina da avenida São Luís com a rua da Consolação como referência para a reocupação pública do centro.
Debatida com a sociedade num ciclo de conferências organizado pelo então diretor da biblioteca, Luiz Francisco de Carvalho Filho, em parceria com a Escola da Cidade, a integração da Mário de Andrade ao seu entorno foi um dos pilares do projeto criado pelo premiado escritório de arquitetura Piratininga.
O plano previa uma área externa ligando a biblioteca à praça Dom José Gaspar, nos fundos, a eliminação das grades que rodeiam o prédio e a instalação de um espelho d'água, que manteria o visitante afastado do edifício sem precisar cercá-lo.

PREMISSA
"Seria uma área de extroversão da biblioteca, algo que nos foi colocado [pela prefeitura] como uma premissa, assim como a eliminação das grades. Serviria para programas de leitura na praça, para shows, poderia ter espreguiçadeiras para ler, tinha potencial para um monte de coisas. É algo de que a biblioteca vai sentir falta", diz Renata Semin, arquiteta-sócia do Piratininga e coautora do projeto, ao lado de José Armênio de Brito Cruz.
No meio do caminho, todos esses elementos foram vetados, parte pela Secretaria Municipal de Cultura, que administra a instituição, parte pelo Conpresp, órgão de preservação do patrimônio da cidade. E as grades estão mantidas -tiveram apenas a altura reduzida.
O Piratininga ainda assim tocou o projeto, cuja versão integral foi premiada em 2010 pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) na categoria "requalificação".
"Foi um pouco arbitrário. Foi dada uma instrução de remover do projeto, ou melhor, de não construir", queixa-se Semin.
Participante dos debates que embasaram o projeto, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha critica a ideia de que grade representa segurança.
"Não é coerente que a biblioteca se preocupe com segurança, quando ela mesmo pode olhar para o lado de lá [da praça Dom José Gaspar], onde estão todos os bares com cadeiras na calçada."
"É melhor você correr o risco da destruição material, seja do que for, do que pôr grade na cidade, porque é uma forma de negar a própria ideia de cidade", acrescenta.
Outro integrante das conferências preparatórias ao projeto, o ator e diretor Ivam Cabral, do grupo Os Satyros, que participa de iniciativas de reocupação de outra praça, a Roosevelt, aponta para a complexidade do tema.
"Estive bem perto do projeto, e seria muito bacana que ele fosse concretizado, porque criava um espaço que conversava com a cidade. Mas consigo entender um pouco a prefeitura. Sou morador do centro e já vi absurdos ali [no entorno a praça], moradores [de rua] usando o banheiro da biblioteca para tomar banho...", diz.
"Ao mesmo tempo", pondera, "essa atitude [alterar o projeto] não soluciona nada. A gente empurra com a barriga. Precisamos continuar debatendo. Na praça [Roosevelt] estamos há dez anos discutindo isso e não chegamos a um consenso".

FINANCIAMENTO
A reforma custou R$ 16,3 milhões e teve financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com contrapartida da prefeitura de São Paulo, via secretaria de Cultura.
Mais R$ 500,9 mil foram gastos na revitalização da praça Dom José Gaspar, onde os mendigos convivem com estátuas de escritores, como Dante e Goethe, e um busto de Mário de Andrade.


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