São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE Roth encara a morte com compaixão em "Nemesis" Novo livro, ainda inédito no Brasil, traz o autor em tom mais nostálgico
DANIEL BENEVIDES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Próximo dos 80 anos, Philip Roth parece completamente tomado por um só interesse: a morte. Apresentada de diversas maneiras, literal e figurativamente (morte do desejo, da virilidade, da autoconfiança, de Deus), ela foi o tema central de seus quatro livros mais recentes, "Homem Comum", "Fantasma Sai de Cena", "Indignação" e "A Humilhação". É também o tema de "Nemesis", lançado em outubro do ano passado, com tradução prevista para setembro, pela Companhia das Letras. O que talvez diferencie este novo romance dos demais é um tom mais nostálgico, mais compassivo e menos diretamente ligado à velhice ou decrepitude. Além disso, a despeito de haver um personagem principal, cujos receios e emoções acompanhamos a cada página, a morte não surge apenas como tragédia individual, mas também coletiva. A história se passa em Newark, cidade natal do autor, no momento em que a Segunda Guerra se aproxima do fim, em 1944. Para as crianças, mulheres, velhos e jovens sem condição de lutar que ficaram em solo americano, no entanto, surge a ameaça de uma outra guerra, sem inimigos visíveis, tão letal quanto as bombas que explodem na Europa e no Pacífico. Trata-se de uma epidemia de poliomielite, doença que ainda estava a mais de uma década de distância da cura. Era a maior ameaça à vida que se conhecia, afora estar enfiado numa trincheira. ILUSÃO INFANTIL Bucky Cantor, nosso triste herói, é um sujeito bom, saudável e caloroso. Sofre com a vergonha de não estar ao lado de seus amigos de escola, combatendo os nazistas, por conta de sua forte miopia. Para compensar, é adorado pela criançada, que o vê como modelo a seguir. Professor de ginástica, ele dirige um centro esportivo comunitário, onde ensina meninos e meninas a jogar softball e outras atividades. Quando surgem os primeiros casos de pólio entre seus alunos, e outros mais no resto da cidade, o pânico não demora a se instalar, e com ele o preconceito. Não se sabia como a pólio era transmitida. Assim, judeus e italianos são alternadamente acusados de propagarem a doença; um pobre débil mental é hostilizado, como se ele fosse a fonte da desgraça; e por aí vai. Bucky resiste à injusta ignorância o quanto pode, até deixar-se seduzir por um convite para trabalhar num campo de férias, lugar considerado imune à epidemia, onde encontra sua bela noiva. Porém, passa a sentir a culpa de viver entre prazeres, quando há tanto sofrimento. Desde a primeira frase, Roth conta tudo sem rodeios ou enfeites de estilo, diretamente, quase como um médico sereno e experiente a dar uma má notícia para a família. Tem sido um pouco esse seu papel: desfazer a permanente ilusão infantil de que a morte não chegará. E o faz com uma inteligência irrefutável, não dura, eivada de humor sádico, mas com um misto de lucidez ascética e sutil compaixão. O livro é excelente, com vários trechos marcantes. Mas para quem acompanha a obra do escritor, fica um certo vazio, uma certa saudade da ironia selvagem e libidinosa dos romances escritos quando Roth ainda não tinha perdido tantos amigos e tido um contato tão próximo com a morte -livros como "O Complexo de Portnoy" ou "Operação Shylock". Aparentemente, aquele Roth se foi, algo que ele mesmo parece aceitar, sem deixar-se prender por uma relutância sentimental e inútil. NEMESIS AUTOR Philip Roth EDITORA Houghton Mifflin Harcourt QUANTO US$ 14,99 (cerca de R$ 25), 280 págs. AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: FOLHA.com Próximo Texto: Livros: Ficção Índice | Comunicar Erros |
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