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GASTRONOMIA
Chef brasileiro quer o topo do mundo
NINA HORTA
Colunista da Folha
Para um cozinheiro ser bom é
preciso que tenha controle das técnicas básicas. "Técnicas básicas"
são as palavras mágicas. Foi disso
que o chef Suaudeau, discípulo de
Paul Bocuse, sentiu falta quando
chegou ao Brasil. Muito cozinheiro
cheio de bossa, mas sem treinamento, sem boas condições de trabalho e consequentemente sem
auto-estima, sem orgulho da profissão.
Ele, Laurent Suaudeau, que passara por uma escola, que fizera estágios, que já descascara todas as
batatas do mundo, chorara com
milhares de cebolas, obedecera todas as ordens, gostava de ser cozinheiro, queria respeitar e ser respeitado.
Propôs a si mesmo elevar o status
do mestre-cuca no Brasil, retirar a
pecha de profissão de gato borralheiro, o que não foi nem é trabalho fácil. A história de seu esforço é
longa, cheia de percalços e teimosia. Se tivesse um brasão, o lema
seria "água mole em pedra dura
tanto bate até que fura".
Em 1995 se reuniu com Jorge
Monti, um agitador cultural culinário, com Emmanuel Bassoleil,
nosso grande chef "paulista", dono
do Roanne e, com outros chefs,
fundou a Associação Brasileira de
Alta Gastronomia, a ABAGA.
Patrocinados pela Nestlé, pois
treinar chefes custa caro, organizaram o concurso Nestlé Toque d'Or,
que indicaria o candidato ao Concours Mondial de la Cuisine Bocuse d'Or, criado pelo mestre Paul
Bocuse em 1987.
Fui assistir ao concurso nacional
de 98. E fiquei pasma. Seriam cozinheiros brasileiros aquela brigada
se levando a sério, uniformizada,
cortês, limpa, limpíssima, metódica, que sabia lidar com as facas, fazer caldos transparentes, saltear
foie gras, assar palmito dentro de
massa folhada, tudo dentro de minutos cronometrados em fogões
sofisticados? Quanto treino por
trás daquilo...
Olhem, foi um prazer. Dentre os
chefs, rapazes brasileiros de origem humilde, outros de classe média, alguns de classe alta, todos
unidos pela mesma linguagem
profissional, pelo mesmo padrão
de trabalho, felizes e concentrados
num ambiente de cozinha-escola.
E é só isso que interessa. O treinamento e o reconhecimento da
profissão. O importante para o
Brasil e para os nossos cozinheiros
nesta competição é o que vai por
trás dela, a profissionalização, a
valorização deste trabalho.
O prêmio até que viria a calhar,
mas realmente não é o principal.
A caminho de Lyon 99, para o
concurso mundial, de 26 a 27 de janeiro, estão Frederico Frank e seu
ajudante André Luis Pereira, os
dois do restaurante Roanne, treinados pelo mais que bom, o ótimo
Bassoleil.
Vão levando uma tralha,(quem
já viu cozinheiro andar sem tralha?) de 150 quilos de equipamento, além de todos os ingredientes
brasileiros, como cajus maduros,
furiosamente exóticos, palmitos
duros de miolo mole, cortadores
de massa de pastel e tudo o mais.
Os ingredientes do menu que vai
ser julgado vêm da França, e como
cozinhá-los e apresentá-los é tarefa
dos meninos treinados durante o
ano todo. Ficam parecendo robôs
criativos, trabalhando com uma
eficiência de time imbatível.
O prato de peixe é uma merluza
preta com vieiras e molho de camarão. A originalidade fica por
conta do capim-santo e uma infinidade de pequenos detalhes caprichosos. A ave é um supremo de
pombo em crosta de castanha de
caju e chartreuse de confit de pombo. Frescuras e mais frescuras. O
peixe e o pombo são franceses, o
restante é brasileiro da gema.
Tudo isso cercado de 1.001 dificuldades e regras e exigências de
deixar um cozinheiro louco.
Os pratos e acompanhamentos
-um monte de acompanhamentos- vão dispostos em enorme
bandeja de prata. Cozinhar bem os
chefs sabem. A dor de cabeça fica
em arrumar aquele bandejão com
graça, e de modo que os molhos
não se misturem, os gostos não se
neutralizem.
Originalidade? Neste mundo globalizado está ficando cada vez
mais difícil. Desconfio que só vamos arrasar quando ficarmos por
dentro dos ingredientes da Amazônia, quando fizermos purê de
açaí muito roxo, quando anestesiarmos a língua dos jurados com
jambu e fizermos ensopados de
carne com folhas de mandioca..
Mas nada importa. Não queremos épater les bourgeois nem o
primeiro ou último lugar. Importa
é o novo espírito, o aprendizado, o
reconhecimento do cozinheiro
brasileiro. Em todo caso, boa sorte,
meninos.
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