São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2000


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Um grande autor


Nick Hornby, nome forte da literatura britânica dos 90, volta ao Brasil por meio de "Um Grande Garoto", seu segundo romance


LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada


Escritor pop dos melhores, dedo duro dos piores, o inglês Nick Hornby segue incólume em sua cruel missão de "entregar" (às mulheres) as fraquezas e os medos da alma masculina. O mais novo tratado do autor sobre o pensamento do cambaleante homem "normal" rumo ao século 21 chegou recentemente às livrarias do Brasil. É "Um Grande Garoto" ("About a Boy"), seu terceiro livro, segundo romance.
Uma das estrelas da geração de escritores britânicos que atravessou os 90 produzindo bons livros, Nick Hornby tem parentesco literário com o escocês Irvine Welsh ("Trainspotting") e Alex Garland ("A Praia") na área popular. E, pendendo ao erudito, com Will Self ("Cock & Bull") e o meio-suíço Alain de Botton ("O Movimento Romântico").
Da mente pop-lírica de Nick Hornby já saiu o ensaio "Fever Pitch" (1992, que a editora Rocco vai lançar no país no segundo semestre), sobre sua obsessão por futebol em geral e pelo time do Arsenal em particular. Brotou também "Alta Fidelidade"(1995), sublime romance que deu ao escritor fama e riqueza ao tratar de pessoas tão maníacas por cultura pop a ponto de não conseguirem desvinculá-la de suas vidas.
Mesmo apresentando a cada livro uma seleção de gente em profunda crise existencial, Hornby tem tanta eficácia em transformar ironia e bom humor em boa literatura que fica impossível para o leitor afastar o desejo de virar amigo íntimo dos personagens problemáticos do escritor.
"Um Grande Garoto", que a Rocco edita agora no Brasil, é sobre um pequeno garoto, Marcus, de 12 anos. Também é sobre um grande garoto, Will, de 36. E ainda sobre Kurt Cobain, músico da banda Nirvana, e como seu trágico suicídio afetou de alguma forma a vida das pessoas de 12 a 36, na primeira metade dos 90.
Exímio escritor sobre e para consumidores da "pop culture" dos últimos 30 anos, é no Nirvana que Hornby vai buscar a referência para o nome de seu segundo romance, inspirado na música "About a Girl", faixa do primeiro disco do grupo de Cobain.
Tal qual "Alta Fidelidade", Hornby remexe em seu mais recente livro na velha história universal de pessoas que tentam "crescer", mesmo já sendo "crescidas". Mas em "Um Grande Garoto" quem brilha mesmo é o menino Marcus, muitas vezes mais maduro que sua mãe hippie autodestrutiva e que seu amigo Will, um "bon vivant" que, aos 36 anos, não vê a hora de sair da adolescência, arrumar uma boa mulher, casar. Ou nada disso, na verdade.
A vida de Marcus não é fácil. É vegetariano, sofre certa rejeição pela mãe descasada, apanha dos meninos mais velhos na escola, é recém-chegado em Londres, gosta de uma garota "outsider" e acredita que Kurt Cobain, o líder da então principal banda de rock do mundo, é um atacante do Manchester United, desinformação que a princípio lhe custa caro.
Não resta a Marcus, em meio a esse estado de coisas não muito animador, outra alternativa a não ser a busca do amadurecimento precoce, como arma para sua sobrevivência.
Só que Marcus olha para o lado e vê a mãe, Fionna, uma mulher infeliz, sempre a ponto de cometer suicídio, porque não aceita os anos 90. Fionna só ouve Joni Mitchell e Bob Marley, não entende por que um garoto pode se interessar por um videogame quando sempre há um bom livro para ler. E, pior, não sabe por que ir à escola com um tênis Adidas é mais importante do que calçado com um sapato qualquer, sem marca. Fionna não pertence a esta década, e talvez por isso queira tanto se matar, de tão solitária.
Do outro lado, Marcus tem Will, um amigo com o triplo de sua idade. Will é o próprio anos 90. Não tem e não quer compromisso com nada e com ninguém. Veste as roupas que as revistas de moda indicam, não porque acha isso bacana, mas apenas para ser igual a todo mundo. Para passar batido, não chamar a atenção de ninguém por ser "diferente". A maior preocupação da vida de Will é ir atrás de mulheres não muito complicadas, em especial as descasadas com um filho. Sim, porque acreditava que podia se dar bem se encontrasse uma mulher bonita, que tivesse sido sacaneada e depois abandonada pelo marido, com um filho. Uma mulher assim, sofrida, ao encontrar um sujeito bacana como Will (ele achava isso), iria se entregar de paixão.
É em perfis como os de Fionna, Will, Ellie (uma complicada garota de sua geração) e Kurt Cobain (o latente elemento da cultura pop) que Marcus vai procurar o equilíbrio necessário para entender o que o espera: a entrada na adolescência. Essa adolescência da qual talvez você não saia até completar os 40 anos.
No mundo das letras hornbianas, o que importa é o que você gosta, não propriamente o que você é. Em entrevista à Folha, em 1998, Nick Hornby afirmou que julga as pessoas pelo que elas lêem, escutam, assistem, ouvem, vestem. E é isso que transpõe para sua escrita. Porque é assim que o autor observa o adolescente (masculino) de hoje, tenha ele 14 anos ou 40.
Nick Hornby continua escrevendo para eternos perdedores, pessoas do tipo que são infelizes (ou não muito felizes) no amor, que abrem o portão de casa e não sabem para onde ir, que passam o Natal sozinhos (ou em lugares onde não queriam estar), que não eram populares no colégio, que se trancam no quarto no sábado à noite para ouvir música triste. Pessoas para os quais livros como "Um Grande Garoto" acabam parecendo comédia e cujo tímido "final feliz" dá a sensação de se estar diante da maior felicidade do mundo. Ou seja, um livro para o homem "normal" rumo ao século 21.


Avaliação:     


Livro: Um Grande Garoto (About a Boy)
Autor: Nick Hornby
Tradução: Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 28 (268 págs.)


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