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"O Quarto do Filho", novo filme do diretor de "Caro Diário" e "Aprile", estréia no Brasil depois de vencer Cannes
Nanni Moretti descreve a dor entre quatros paredes
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
Os fãs de Nanni Moretti certamente irão se surpreender
com "O Quarto do Filho", o mais
novo filme do diretor italiano. No
Brasil, o cineasta -que iniciou a
carreira em 1973 e, desde então, já
assinou 15 produções- se tornou
conhecido por "Caro Diário" e
"Aprile".
Eram, ambos, autobiográficos.
Ou melhor: tinham o próprio Moretti como personagem principal.
Um tipo irônico e afetuoso que,
nos dois casos, olhava para si
mesmo e extraía do espelho relatos graciosamente prosaicos. Se o
que contava correspondia de fato
à realidade vivida, pouco importa.
Ainda que só estivesse dando
um testemunho ilusório, esculpido com mentiras verossímeis, o
diretor alcançava sempre a cumplicidade da platéia -também
porque centrava a narrativa no
humor. Ao se expor de modo
muitas vezes jocoso, revelava-se
demasiadamente humano e, assim, oferecia para o público uma
espécie de conforto. Era como se
dissesse: a fragilidade nos faz todos irmãos.
Em "O Quarto do Filho", que
ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2001, não há comédia nem motes biográficos.
Trata-se, cem por cento, de uma
ficção. Mais: de um melodrama.
Corajosamente, o cineasta ousou rejeitar os pólos em que transitava de maneira tão desenvolta.
Resolveu trilhar o caminho oposto na esperança de alcançar o
mesmo destino. Funcionou. Sai-se desse triste longa-metragem
com sensação idêntica à provocada pelos filmes cômicos do diretor: a fragilidade nos irmana.
O enredo se desenrola em uma
pequena cidade litorânea da Itália, onde mora a família do psicanalista Giovanni (interpretado
por Moretti). Ele e a mulher, Paola, criam um simpático casal de filhos adolescentes, Irene e o caçula
Andrea. São, os quatro, visivelmente felizes.
Compõem um conjunto harmônico, apesar de imperfeito.
Não se comportam como se habitassem um comercial de margarina (ou um blockbuster de Hollywood), em que a felicidade resulta
da ausência de falhas. Giovanni,
Paola, Irene e Andrea mostram-se
generosos o suficiente para tolerar as fraquezas comezinhas uns
dos outros.
Pelo divã do psicanalista, passam meia dúzia de pacientes que
amargam neuroses relacionadas à
compulsão, à falta de controle.
Uma mulher não consegue evitar
a mania de limpeza. Um rapaz
sente-se refém de obsessões sexuais. Um homem pensa o tempo
inteiro em suicídio.
Giovanni, invariavelmente, os
recebe com placidez e procura
tranquilizá-los concedendo-lhes
o antídoto da humildade. Aconselha-os a curvarem-se diante da
existência. Ensina-lhes que, se
não podem mesmo comandar tudo, o melhor é apenas "aceitar, esperar, observar".
Num domingo de sol, porém,
Andrea vai mergulhar e não volta.
Sofre um acidente fatal. A flecha
cega da tragédia vara impiedosamente a família.
Na primeira parte do longa-metragem, quando o diretor descreve o cotidiano equilibrado do clã
de Giovanni, nada permite antever o feroz tormento que devastará gente tão serena. Daí o profundo incômodo, a incrível angústia
que a morte repentina do filho caçula causará tanto nos personagens fictícios quanto na platéia.
É um rodamoinho real demais
-porque traiçoeiro, injusto,
inexplicável, tirânico, como costuma ocorrer sempre que a tragédia decide se apresentar.
O furor do vendaval parte o filme em dois. E a cisão obriga o público a experimentar, num curtíssimo espaço de tempo, sensações
antagônicas -de início, a tranquilidade contemplativa; depois,
o horror que não deixa escolha.
Especialmente aflitivo é notar
que, logo após o desastre, nem os
pais nem a irmã de Andrea conseguem dizer com todas as letras
que ele morreu. Valem-se de eufemismos verbais para simbolizar a
perda do rapaz. O recado soa cristalino: as palavras não dão conta
de expressar a morte. Morrer é
muito concreto. Só a imagem do
morto convence os vivos do fim.
O diretor, então, não poupa o
espectador de ver Andrea no
ataúde, de vê-lo jovem e inerte,
pálido e rígido. Tampouco o priva
de assistir à mecânica movimentação dos operários encarregados
de tampar e lacrar o esquife.
Igualmente aflitivo é acompanhar a dor surda e a perplexidade
de Giovanni perante o fato consumado. O filho partiu, e o pai
-que tanto pregara a aceitação
do descontrole- não suporta reconhecer-se impotente. Quer
agir, mas o ato de nada adiantará.
Na cozinha de casa, observa a
louça envelhecida, um pouquinho trincada, que sempre esteve
ali. Aquilo agora o incomoda. Ele
sabe que, depois da tragédia, as
imperfeições da vida não lhe parecerão mais tão contornáveis.
O Quarto do Filho
La Stanza del Figlio
Direção: Nanni Moretti
Produção: Itália, 2001
Com: Nanni Moretti, Laura Morante,
Jasmine Trinca
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Cinearte, Espaço Unibanco,
Lumière e circuito
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