São Paulo, sexta-feira, 15 de fevereiro de 2002

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TEATRO

Montagem carioca de "O Avarento", comédia de Molière, chega hoje a SP

Jorge Dória cria cacos de avareza

VALMIR SANTOS
FREE-LANCER PARA A FOLHA

Ao final de cada apresentação de "O Avarento", Jorge Dória surpreende a platéia, em meio aos aplausos, e afirma: "Muito do que vocês riram não foi escrito por Molière, mas tenho certeza absoluta de que ele teria se orgulhado se estivesse aqui". O espetáculo estréia hoje em São Paulo.
O ator comediante Dória, 81, outorga-se a liberdade de inserir cacos a peça do século 17. Diz agir assim para celebrar a "irreverência genial" do ator, diretor e dramaturgo francês Jean-Baptiste Poquelin, de pseudônimo Molière (1622-1673).
Na empreitada, Jorge Dória tem um aliado, o dramaturgo João Bethencourt, que também assina a tradução -e cacos de "L'Avare" (1668). A montagem carioca estreou em 99 e já percorreu outros Estados, como Bahia, Minas Gerais, Brasília e Paraná, sendo vista por mais de 385.000 espectadores, de acordo com dados da produção do espetáculo. "Isso é como um casamento e com todos os problemas e soluções que isso implica. O segredo do Jorge é que ele cresce com a temporada do espetáculo, procura o caminho para transformar e dar mais vida ao personagem", observa Bethencourt.

Crítica social
É o 12º projeto teatral de Dória e Bethencourt, que já passaram por outras montagens de Molière, como "Escola de Mulheres", "Tartufo" e "As Malandragens de Scapino."
Poquelin, como Dória prefere tratá-lo, não dispunha de liberdade para desforrar críticas à sociedade da época.
"Em suas intrigas, ele não tinha o conhecimento do mundo como dispomos hoje", afirma Dória. "No entanto, do caráter do ser avaro ele conhecia bem." Bethencourt lembra outras variantes demasiado humanas do comediógrafo, como o retrato da hipocondria em "O Doente Imaginário", da hipocrisia em "O Misantropo" ou da "galinhagem" em "Don Juan".
O sovina Harpagão, que enterra um baú com moedas no quintal de casa, "é um homem que se veste de preto para lavar a roupa de quatro em quatro anos, que dispensa o uso de móveis em sua residência e que tem como principal atividade emprestar dinheiro a juros", no resumo bem-humorado do ator.
"Com a simples presença desse personagem em cena, mesmo agarrado a uma alça de caixão, Molière quebra a percepção que as pessoas têm do ser humano", afirma Dória.
A comédia de erros centra-se no interesse de Harpagão em arranjar o casamento dos filhos, Elisa (Gláucia Rodrigues) e Cleanto (Edmundo Lippi). Em paralelo, investe no próprio casamento com a mulher pela qual o filho também é apaixonado, Mariana (Janaína de Prado). Tudo é costurado pela casamenteira Frosine (Jacqueline Laurence), de olho no faturamento das uniões de encomenda.
Aos 55 anos de carreira, comediante assumido (da estirpe de Dercy Gonçalves ou Procópio Ferreira), Jorge Dória diagnostica certa resistência no país ao gênero, sobretudo no meio intelectual. "Sempre digo que, se Molière fosse vivo, jamais seria indicado ao prêmio que leva o seu nome", afirma, citando o prêmio teatral extinto no país nos anos 90.

O AVARENTO - de: Molière.
Tradução e direção: João Bethencourt. Com Jorge Dória, Henrique César, Gustavo Ottoni, Marcio Ricciardi e outros.
Onde: teatro Hilton (av. Ipiranga, 165, centro, SP, tel. 0/xx/11/3259-6508).
Quando: estréia hoje, às 21h; sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h.
Quanto: R$ 25 a R$ 30. Até 31/3.


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