|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Sangue Negro"
De volta ao caos, diretor abandona fórmula intimista de filmes anteriores
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Desde que irrompeu no
horizonte da cinefilia,
em 1996, com "Jogada
de Risco", Paul Thomas Anderson garantiu um lugar de admiração e, mais de uma década
depois, de talento que ainda espera ser confirmado. Como os
filmes de outro Anderson seu
contemporâneo, o Wes, os dirigidos por PTA impressionam
muito durante a projeção, mas
deixam uma sensação duradoura de vazio quando acabam.
O fenômeno se repete em
"Sangue Negro". Saem de cena
as conexões coletivas e intimistas que aproximaram perigosamente sua obra da de Robert
Altman em "Boogie Nights" e
"Magnólia", e aprofunda-se a
obsessão pela trajetória anômala de um indivíduo, num
exercício simultâneo de flerte e
de ultrapassagem da saga pessoal no formato clássico.
Flerte na medida em que Daniel Plainview assemelha-se a
outros tantos antecessores no
modo hollywoodiano de alçar
um protagonista à condição de
guia numa epopéia que reproduz a história nos dois sentidos
da palavra, tanto o coletivo
quanto o individual.
E ultrapassagem pelo fato de
esse herói exceder a mínima
unidade necessária para torná-lo portador de significados planos e sem ambigüidades. Nada
há, porém, de inovador nesta
estratégia, posto que, desde o
Charles Foster Kane, de Welles, ela é referência fundamental para os cineastas modernos.
O que há de mais interessante no esforço de PTA é a assimilação de um caos que, com freqüência, torna instável e sem
recursos o rumo de seus personagens. Para o Barry Egan de
"Embriagado de Amor", as mulheres assumiam esta função,
de inocular seu mundo idiota
com afetos que rompiam as
barreiras da autoproteção. Para
o Daniel Plainview de "Sangue
Negro", é todo o mundo que se
configura como ameaça. Contra isso, ele vai procurar refúgio
nos buracos que cava em busca
de riqueza. Quanto mais fundo
consegue ir e fazer jorrar o petróleo dos subterrâneos, mais
alto e acima de todos pode ficar,
o que lhe salva de ter de conviver, a não ser sob a forma do
mando e da ordem.
O problema, que permanece
desde os primeiros filmes de
PTA e que volta a comprometer
uma completa adesão a "Sangue Negro", é como promover o
encontro do caos com a ordem
sem destrui-la. A solução até
agora foi provocar sua irrupção
por uma força, seja a droga
("Boogie Nights"), o extraordinário ("Magnólia") ou a paixão
("Embriagado de Amor").
Neste caso, sua materialização na imagem, cujo paradigma
continua sendo a chuva de sapos de "Magnólia", recua em
"Sangue Negro" para o plano
simbólico dos jatos que emergem do subsolo. E incomoda a
forma como PTA reitera a função "beleza" da cena, com planos contrastados do céu e do
fogo, num demorado efeito de
artifício que indica sua adesão a
um cinema de efeitos.
Na tentativa de manter-se
fiel a seu amor pelo instável, o
diretor deixa a cargo da espetacular performance de Daniel
Day-Lewis a tarefa de representar a desordem, como se esta se resumisse a um desajuste
psicológico. O que culmina com
a impressão de que PTA admira
o caos, mas nunca é corajoso o
suficiente para deixá-lo fazer o
trabalho completo.
SANGUE NEGRO
Produção: EUA, 2007
Direção: Paul Thomas Anderson
Com: Daniel Day-Lewis, Paul Dano, Martin Stringer e Kevin J. O'Connor
Onde: estréia hoje nos cines Bristol,
Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: bom
Texto Anterior: Anderson volta com "Sangue Negro" Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|