São Paulo, sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Sangue Negro"

De volta ao caos, diretor abandona fórmula intimista de filmes anteriores

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Desde que irrompeu no horizonte da cinefilia, em 1996, com "Jogada de Risco", Paul Thomas Anderson garantiu um lugar de admiração e, mais de uma década depois, de talento que ainda espera ser confirmado. Como os filmes de outro Anderson seu contemporâneo, o Wes, os dirigidos por PTA impressionam muito durante a projeção, mas deixam uma sensação duradoura de vazio quando acabam.
O fenômeno se repete em "Sangue Negro". Saem de cena as conexões coletivas e intimistas que aproximaram perigosamente sua obra da de Robert Altman em "Boogie Nights" e "Magnólia", e aprofunda-se a obsessão pela trajetória anômala de um indivíduo, num exercício simultâneo de flerte e de ultrapassagem da saga pessoal no formato clássico.
Flerte na medida em que Daniel Plainview assemelha-se a outros tantos antecessores no modo hollywoodiano de alçar um protagonista à condição de guia numa epopéia que reproduz a história nos dois sentidos da palavra, tanto o coletivo quanto o individual.
E ultrapassagem pelo fato de esse herói exceder a mínima unidade necessária para torná-lo portador de significados planos e sem ambigüidades. Nada há, porém, de inovador nesta estratégia, posto que, desde o Charles Foster Kane, de Welles, ela é referência fundamental para os cineastas modernos.
O que há de mais interessante no esforço de PTA é a assimilação de um caos que, com freqüência, torna instável e sem recursos o rumo de seus personagens. Para o Barry Egan de "Embriagado de Amor", as mulheres assumiam esta função, de inocular seu mundo idiota com afetos que rompiam as barreiras da autoproteção. Para o Daniel Plainview de "Sangue Negro", é todo o mundo que se configura como ameaça. Contra isso, ele vai procurar refúgio nos buracos que cava em busca de riqueza. Quanto mais fundo consegue ir e fazer jorrar o petróleo dos subterrâneos, mais alto e acima de todos pode ficar, o que lhe salva de ter de conviver, a não ser sob a forma do mando e da ordem.
O problema, que permanece desde os primeiros filmes de PTA e que volta a comprometer uma completa adesão a "Sangue Negro", é como promover o encontro do caos com a ordem sem destrui-la. A solução até agora foi provocar sua irrupção por uma força, seja a droga ("Boogie Nights"), o extraordinário ("Magnólia") ou a paixão ("Embriagado de Amor").
Neste caso, sua materialização na imagem, cujo paradigma continua sendo a chuva de sapos de "Magnólia", recua em "Sangue Negro" para o plano simbólico dos jatos que emergem do subsolo. E incomoda a forma como PTA reitera a função "beleza" da cena, com planos contrastados do céu e do fogo, num demorado efeito de artifício que indica sua adesão a um cinema de efeitos.
Na tentativa de manter-se fiel a seu amor pelo instável, o diretor deixa a cargo da espetacular performance de Daniel Day-Lewis a tarefa de representar a desordem, como se esta se resumisse a um desajuste psicológico. O que culmina com a impressão de que PTA admira o caos, mas nunca é corajoso o suficiente para deixá-lo fazer o trabalho completo.


SANGUE NEGRO
Produção:
EUA, 2007
Direção: Paul Thomas Anderson
Com: Daniel Day-Lewis, Paul Dano, Martin Stringer e Kevin J. O'Connor
Onde: estréia hoje nos cines Bristol, Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: bom


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