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Estréia em São Paulo "Purificado", peça da autora inglesa que se suicidou em 99, aos 28 anos
Brasil acena para o teatro de Sarah Kane
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Três anos após a morte de Sarah
Kane, que cometeu suicídio, o
Brasil finalmente começa a aprofundar uma relação com a moça
que deu novo alento à dramaturgia britânica a partir de meados
dos anos 90.
Estréia hoje em São Paulo "Purificado" ("Cleansed", de 98), a
terceira peça que ela escreveu. A
montagem do grupo Tropel vem
de curta temporada no Rio, iniciada no final de 2001.
Depois de citar trechos de
"Phaedras's Love" (de 96), a segunda da dramaturga, em "fedra@hipolito.com" (também
uma produção do ano passado), o
grupo Tropel assina o primeiro
espetáculo de Kane de que se tem
notícia na América do Sul, dirigido e traduzido por Felipe Vidal.
Em agosto, a Três de Sangue
Cia. de Teatro, que está em cartaz
em São Paulo com "Traição", de
Harold Pinter, monta "Crave" (de
98), a penúltima peça de Kane.
Para fevereiro de 2003, a mesma
companhia que já montou
"Shopping and Fucking", do inglês Mark Ravenhill (amigo de
Kane), deve levar ao palco o primeiro texto da autora, "Blasted".
Com legado de cinco peças, Kane causou impacto inversamente
proporcional ao tamanho da
obra.
O fenômeno é comparado ao
que Edward Bond provocou na
Inglaterra dos anos 60 e 70, com
suas peças politicamente engajadas, como "Saved".
Bond, 70, que veio ao Brasil em
outubro do ano passado para participar do seminário "O Teatro e a
Cidade", organizado pela Secretaria Municipal de Cultura de São
Paulo, é um dos "B" com os quais
Kane se identificava dramaturgicamente. Ela também gostava do
alemão Bertolt Brecht e do irlandês Samuel Beckett.
A estréia comercial de "Blasted", que havia sido encenada por
estudantes, aconteceu em janeiro
de 95, no Royal Court Upstairs,
em Londres.
Em um quarto de hotel, um jornalista sensacionalista estupra
uma jovem com problemas mentais. Ele é também violentado, por
um soldado bósnio (por vingança) e tem os olhos arrancados.
Os pais de Sarah Kane eram jornalistas e ela escreveu sua primeira peça aos sete anos. Mas o que se
explicita aí é a referência às atrocidades cometidas no Leste Europeu na época.
"Banquete de imundície" foi
uma das rejeições expostas pela
maioria dos críticos que questionou a qualidade da peça.
Logo no primeiro round, o dramaturgo inglês Harold Pinter, 71,
saiu em defesa de Kane, então
com 23 anos. Disse que os críticos
estavam "aquém da profundidade do texto".
Pinter intuiu a beleza e crueldade dos diálogos secos, característicos da obra de Kane.
Em entrevista ao jornal inglês
"The Guardian", em julho de
2000, Pinter declarou: "Ela tinha
uma visão do mundo que era extremamente minuciosa, por isso,
horripilante. Porque o mundo é
um lugar terrível. Um lugar muito
bonito, mas o gênero humano é
um desastre absoluto. (...) Ela não
estava simplesmente observando
o ser humano, ela fazia parte disso. Parece-me que ela falava da
violência dentro de si mesma, do
ódio e da profundidade da miséria que também sofria".
Sarah Kane tinha depressão. Na
madrugada de 20 de fevereiro de
99, enforcou-se no hospital King's
College, em Londres, local em que
estava internada por causa da
doença. Tinha 28 anos. "4,48
Psychosis" (2000), sua última peça, é a história de um suicídio. Foi
batizada assim porque os números correspondem à hora da manhã que ela acreditava ser o auge
do sofrimento dos deprimidos e a
preferida dos suicidas. Ela morreu nas primeiras horas daquele
20 de fevereiro.
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