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MÚSICA
Mais tocada no Recife neste ano, canção ganhou versões para mangue beat, xote e frevo em disco com sete faixas
Nativismo pop coloca hino de PE no rádio
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
O nativismo de Pernambuco,
patenteado nas suas revoluções
praieiras e batalhas contra estrangeiros, como cutuca o historiador
Evaldo Cabral de Mello, tem agora um fenômeno pop. O hino do
Estado, em versões de mangue
beat, xote e frevo, é a música mais
tocada no Recife neste ano.
Um disco que foi feito, a princípio, para ser distribuído gratuitamente em escolas e órgãos públicos, com sete faixas que ostentam
o rococó de uma letra de 1908,
saiu dos gabinetes do Palácio do
Campo das Princesas e acabou
ganhando as calçadas, com a ajuda das festas de rua e da pirataria
dos camelôs.
Foram lançados 10 mil CDs pelo
governo pernambucano. Mas a
reprodução clandestina dos mascates deve ter elevado esse número a 100 mil cópias, conforme estimativa de músicos do Recife.
Mas o sentimento de "pernambucanidade", estágio d'alma louvado por Gilberto Freyre como
privilégio dos que vivem à beira
do Capibaribe, contou também
com uma mãozinha dos homens
do marketing oficial.
Por conta de farta verba publicitária, o hino foi badalado, em rádio e TV, sob a chancela do governador Jarbas Vasconcelos
(PMDB), que é cotado para ser vice na chapa presidencial de José
Serra (PSDB) e está de olho também na sua reeleição.
A zoada levou adversários políticos a acusá-lo de fazer uso eleitoreiro do sucesso do disco. Mas o
governador peemedebista contesta. E defende o caráter educativo do lançamento.
O projeto da gravação foi assumido e bancado pelo secretário de
Educação e Cultura do Estado,
Raul Henry, que trava com o secretário de Cultura do município
do Recife, João Roberto Peixe,
animada peleja para saber quem
promove mais e melhores eventos
artísticos na cidade. Trata-se de
um capítulo à parte na disputa entre o PMDB do governador Jarbas
e o PT do prefeito João Paulo.
Com uma letra de versos para lá
de barrocos (leia trecho ao lado),
o hino, cuja letra é do nativo Oscar Brandão e a música pertence
ao italiano "pernambucanizado"
Nicolino Milano, ganhou samples
e dicção rap à Chico Science em
uma das versões.
Tem cheiro de dignidade, ao
contrário da herança escravocrata
da casa-grande, a interpretação
da "senzala", com Cannibal, do
grupo Devotos, na companhia de
Cíntia Zamorano (pernambucana radicada na Espanha), Gina,
Isaar França (dos grupos DJ Dolores & Orquestra Santa Massa e
Comadre Florzinha), Karina
Buhr, Maciel Salustiano, Roger
Man (Bonsucesso Samba Clube),
Lula Queiroga, Fábio Trummer,
Spider e Sila do Coco.
O disco nasceu de uma idéia da
produtora Muzak, via Marcelo
Soares e Cacá Barreto. Duas faixas
são regidas pelo maestro Eduardo
Morelembaum, Dominguinhos
manda a versão forró e Alceu Valença rasga o frevo, sucesso do
Carnaval. Uma faixa em tom marcial e outra de orquestra completam a coletânea nativista.
Pelo que se produz hoje em música no Recife, o CD poderia ser
mais enxerido e ousado, com menos acordes para as "belezas soberbo estendal" (de estender, espalhar), coisa do épico monopólio da cana-de-açúcar, e mais ruídos eletrônicos que representassem os guerreiros que sobrevivem
na "manguetown", como Science
rebatizou aquelas plagas.
Disco similar, também distribuído em escolas, lançado recentemente pelo governo francês,
com a Marselhesa até em ritmo de
samba-reggae-árabe e house, pisou mais fundo, sem medo dos
conservadores da área.
Mas o pioneiro na arte de tirar a
pompa e a chatice da canção pátria foi Serge Gainsbourg -autor
do hino de motel "Je t'Aime Moi
Non Plus"- que pôs a Marselhesa em versão dub reggae. Isso
aconteceu em 1979. E alguns grupos direitistas ameaçaram o rapaz
de morte.
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