São Paulo, sexta-feira, 15 de março de 2002

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MÚSICA

Mais tocada no Recife neste ano, canção ganhou versões para mangue beat, xote e frevo em disco com sete faixas

Nativismo pop coloca hino de PE no rádio

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O nativismo de Pernambuco, patenteado nas suas revoluções praieiras e batalhas contra estrangeiros, como cutuca o historiador Evaldo Cabral de Mello, tem agora um fenômeno pop. O hino do Estado, em versões de mangue beat, xote e frevo, é a música mais tocada no Recife neste ano.
Um disco que foi feito, a princípio, para ser distribuído gratuitamente em escolas e órgãos públicos, com sete faixas que ostentam o rococó de uma letra de 1908, saiu dos gabinetes do Palácio do Campo das Princesas e acabou ganhando as calçadas, com a ajuda das festas de rua e da pirataria dos camelôs.
Foram lançados 10 mil CDs pelo governo pernambucano. Mas a reprodução clandestina dos mascates deve ter elevado esse número a 100 mil cópias, conforme estimativa de músicos do Recife.
Mas o sentimento de "pernambucanidade", estágio d'alma louvado por Gilberto Freyre como privilégio dos que vivem à beira do Capibaribe, contou também com uma mãozinha dos homens do marketing oficial.
Por conta de farta verba publicitária, o hino foi badalado, em rádio e TV, sob a chancela do governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), que é cotado para ser vice na chapa presidencial de José Serra (PSDB) e está de olho também na sua reeleição.
A zoada levou adversários políticos a acusá-lo de fazer uso eleitoreiro do sucesso do disco. Mas o governador peemedebista contesta. E defende o caráter educativo do lançamento.
O projeto da gravação foi assumido e bancado pelo secretário de Educação e Cultura do Estado, Raul Henry, que trava com o secretário de Cultura do município do Recife, João Roberto Peixe, animada peleja para saber quem promove mais e melhores eventos artísticos na cidade. Trata-se de um capítulo à parte na disputa entre o PMDB do governador Jarbas e o PT do prefeito João Paulo.
Com uma letra de versos para lá de barrocos (leia trecho ao lado), o hino, cuja letra é do nativo Oscar Brandão e a música pertence ao italiano "pernambucanizado" Nicolino Milano, ganhou samples e dicção rap à Chico Science em uma das versões.
Tem cheiro de dignidade, ao contrário da herança escravocrata da casa-grande, a interpretação da "senzala", com Cannibal, do grupo Devotos, na companhia de Cíntia Zamorano (pernambucana radicada na Espanha), Gina, Isaar França (dos grupos DJ Dolores & Orquestra Santa Massa e Comadre Florzinha), Karina Buhr, Maciel Salustiano, Roger Man (Bonsucesso Samba Clube), Lula Queiroga, Fábio Trummer, Spider e Sila do Coco.
O disco nasceu de uma idéia da produtora Muzak, via Marcelo Soares e Cacá Barreto. Duas faixas são regidas pelo maestro Eduardo Morelembaum, Dominguinhos manda a versão forró e Alceu Valença rasga o frevo, sucesso do Carnaval. Uma faixa em tom marcial e outra de orquestra completam a coletânea nativista.
Pelo que se produz hoje em música no Recife, o CD poderia ser mais enxerido e ousado, com menos acordes para as "belezas soberbo estendal" (de estender, espalhar), coisa do épico monopólio da cana-de-açúcar, e mais ruídos eletrônicos que representassem os guerreiros que sobrevivem na "manguetown", como Science rebatizou aquelas plagas.
Disco similar, também distribuído em escolas, lançado recentemente pelo governo francês, com a Marselhesa até em ritmo de samba-reggae-árabe e house, pisou mais fundo, sem medo dos conservadores da área.
Mas o pioneiro na arte de tirar a pompa e a chatice da canção pátria foi Serge Gainsbourg -autor do hino de motel "Je t'Aime Moi Non Plus"- que pôs a Marselhesa em versão dub reggae. Isso aconteceu em 1979. E alguns grupos direitistas ameaçaram o rapaz de morte.



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