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LIVRO/LANÇAMENTO
"O PIANISTA"
Obra relata odisséia do autor durante ocupação nazista na Polônia
Autobiografia expõe todas
as nuanças da barbárie
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Escrito pelo músico judeu
polonês Wladyslaw Szpilman
(1911-2000) em 1945, quando a
poeira dos escombros da Segunda
Guerra ainda não tinha assentado, "O Pianista", além de documento histórico de valor inestimável, pode ser lido como uma
dolorosa indagação sobre os paradoxos da condição humana.
Não foi por acaso que Roman
Polanski resolveu levar esse testemunho às telas -em cartaz no
Brasil. São evidentes as coincidências entre a trajetória de Szpilman
e a do próprio cineasta, outro judeu polonês que sobreviveu à
ocupação nazista (só que em Cracóvia e não em Varsóvia) e viu a
família ser deportada para os
campos de extermínio.
Mas, para além das afinidades
biográficas, o que parece ter atraído Polanski para o livro é a reflexão que este traz embutida sobre
o mal. Sim, os sofrimentos e peripécias vividos pelo pianista na
Varsóvia ocupada pelos nazistas
comprovam que o mal existe, mas
não tem um "eixo" tão claro como querem nos fazer crer George
W. Bush e outros espíritos primitivos de nosso tempo.
Para quem formou uma imagem da Segunda Guerra a partir
dos filmes de Hollywood, nos
quais os bandidos e mocinhos estão separados com nitidez, "O
Pianista" está cheio de sombras e
ruídos perturbadores.
Claro que há, como moldura e
fator determinante, o fato brutal
da agressão nazista. Mas, dentro
desse quadro, nessa espécie de laboratório submetido a condições
anormais de temperatura e pressão, revelam-se todos os comportamentos humanos possíveis.
Sob a ocupação alemã, cada polonês -fosse ele judeu ou ariano- era um feixe de possibilidades de reação, que iam do suicídio
à adesão, da revolta à colaboração, da apatia à crueldade.
O que "O Pianista" descreve
com clareza e surpreendente distanciamento é o complexo mecanismo de opressão e espoliação
que se instaurou na Polônia ocupada: as entranhas do mercado
negro, as delações, as alianças espúrias entre judeus endinheirados e a Gestapo, a brutalidade dos
soldados ucranianos recrutados
pelos nazistas, o medo, a vergonha, a fome, a sujeira, o caos.
De quebra, com discrição e modéstia, Szpilman descreve a resistência polonesa clandestina, traçando em poucas linhas um quadro que lembra o ambiente dos
primeiros e magníficos filmes de
Andrzej Wajda.
Além -ou aquém- de tudo
isso, pode-se ler o livro apenas como uma eletrizante aventura, em
que o herói é salvo inúmeras vezes
pelo mais puro acaso. O tom com
que o autor conta essas peripécias
é o de alguém ainda atordoado,
que vê as coisas de um modo estranho e oblíquo.
Szpilman perfez uma singularíssima odisséia, praticamente
sem sair do lugar, enquanto o
mundo rugia e ruía à sua volta.
Viveu semanas comendo migalhas de pão embolorado e bebendo água de banheiras, viu crianças
serem assassinadas friamente,
mulheres serem queimadas vivas,
fuzilamentos em massa e, ocasionalmente, um ou outro gesto de
compaixão, como o do capitão
alemão Wilm Hosenfeld, que lhe
salvou a vida.
Trechos dos diários de Hosenfeld (que terminou seus dias num
campo soviético de prisioneiros,
em 1952) foram incluídos em "O
Pianista". Neles se encontra a frase que talvez melhor sintetize o livro: "Todos os seres humanos
têm dentro de si maldade e instintos animalescos que afloram
quando não são coibidos".
O Pianista
Autor: Wladislaw Szpilman
Tradução: Tomasz Barcinski
Editora: Record
Quanto: R$ 36 (237 págs.)
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