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Pinturas feitas pelo ex-seringueiro Hélio Melo são "descobertas" pela curadoria da mostra
Pouco conhecido, artista do Acre vai ser estrela na Bienal
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
O papel de parede da tela do laptop de José Roca, um dos quatro
co-curadores da 27ª Bienal de São
Paulo, é um detalhe de uma pintura do artista acreano Hélio Melo
(1926-2001). Praticamente desconhecido no circuito da arte, Melo
tem uma vinculação muito mais
óbvia com arte popular, o que,
possivelmente, trará surpresa aos
iniciados na produção contemporânea quando o detalhe de sua tela sair do computador de Roca e
chegar às paredes da Bienal, no
próximo mês de outubro.
"Conheci o trabalho de Hélio
Melo durante minha viagem de
pesquisa a Rio Branco pelo programa Rumos Visuais, do Itaú
Cultural. Foi no Acre, enquanto
eu estava escrevendo meu projeto
conceitual para a Bienal, que eu tive a intuição que esse Estado tinha uma riqueza histórica e geográfica absolutamente pertinente
para a discussão de "Blocos Sem
Fronteiras" que, naquela ocasião,
era o título da Bienal", diz a curadora Lisette Lagnado, responsável
pela mostra, finalmente intitulada
"Como Viver Junto".
No projeto com o qual concorreu para a Bienal, Lagnado havia
criado sete blocos e o Acre era um
de seus temas. Atualmente, os sete blocos se transformaram em
dois grandes eixos -Projetos
Construtivos e Programas para a
Vida-, mas o Acre se mantém na
Bienal não só como tema de um
dos seminários mas como local de
residências artísticas.
"Não há produção contemporânea no Acre. Com as residências,
quero deixar sementes na região",
afirma Lagnado. Já Roca afirma
que, agora, o Estado assumiu dentro da Bienal um conjunto de temas a serem abordados.
Fronteiras
"Discutir o Acre permite aprofundar a própria América Latina,
pois além de abordar o que ocorre
na região, podemos pensar em
questões como território, fronteira, natureza e até mesmo inclusão
do outro. A idéia de não trabalhar
com fronteiras e sim com noções
de vizinhança, coabitação e colaboração faz parte de meu trabalho
desde sempre, como crítica e curadora independente. E como eu
via quadros de Hélio Melo em
quase todos os lugares, principalmente instituições públicas, fiquei
fascinada não somente pela pintura, de excepcional fatura, como
pela história do personagem", diz
Lagnado
A empolgação da curadora não
é isolada. Roca, que cuida da seleção de pinturas de Melo na Bienal
e que, por isso, esteve no Acre em
novembro passado, tampouco
economiza elogios à obra do ex-seringueiro. "Toda a história dele,
de seringueiro a artista, que até tocava violino na floresta, é adequada para a criação de um mito local. Entretanto, não se trata de
mera curiosidade antropológica
-sua produção visual é passível
de muitas interpretações", disse o
curador, que esteve em São Paulo,
na última semana, para participar
da reunião dos co-curadores, na
qual foram definidos mais artistas
que tomarão parte da Bienal, entre eles as brasileiros Lucia Koch,
Cláudia Andujar e Marilá Dardot.
Voltando à pintura de Melo, a
obra mais admirada por Roca, e
que está sempre visível em seu
computador, é um trabalho de
1983, sem título, que o curador
considera "uma das obras mais
fascinantes que encontrei nos últimos tempos". Em primeiro plano e no espaço inferior, como
sempre nas telas do artista acreano, são vistas impressões verdes
feitas por folhas, como um carimbo, que simulam uma mata. Já o
motivo central da pintura é uma
árvore cujos galhos se organizam
como uma estrada, possível percurso de um seringueiro a recolher o látex dos caules. "Só sobre
este trabalho é possível fazer uma
conferência inteira. A obra dele
não trata apenas da floresta mas
também de questões de território", afirma o colombiano Roca.
O objetivo do curador, no momento, é reunir uma quantidade
significativa de obras, e ele diz que
40 seria o número ideal de trabalhos para serem expostos na Bienal. "De tudo que vi, 90% pertence ao Estado do Acre. Li uma entrevista do Hélio Melo, na qual ele
diz ter produzido 2.000 quadros.
Espero ainda encontrar sua filha,
responsável por cuidar de seu
acervo, mas ela passa por Rio
Branco apenas duas vezes por
ano, a cada seis meses", diz Roca.
Ao trazer à Bienal um artista
distante dos procedimentos contemporâneos de produção, que
em geral falam mais aos iniciados
do que ao público em geral, Lagnado busca "romper o preconceito entre o dito "popular" e o "contemporâneo'". "Ele tem algo de
Arthur Bispo do Rosário, embora
com outras características, e eu
sempre gostei de sacudir as narrativas críticas e estéticas em vigor",
diz a curadora.
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