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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
"Porn groove" ou "drill & bass"?
Assistimos a uma espécie de "pulverização sustentável" dos modismos
e interesses culturais
"PORN GROOVE" eu ainda
não ouvi. Parece animado.
Ao menos mais sugestivo
do que "drill & bass" e mais expansivo do que "microhouse". Mas não
seria o caso de tentar um "Goa trance" ou um "sublow"? Não sei. Acho
que vou experimentar mesmo o
"isolationism" -esta sim me soa
uma alternativa sedutora e sensata à
multiplicação de estilos musicais
que vejo na internet.
É verdade que a lista de gêneros e
subgêneros catalogados e formatados pela indústria fonográfica já era
longa -e um tanto bizarra- nas décadas finais do nosso glorioso século
20. Mas nada se compara ao que temos hoje. A própria expressão "indústria fonográfica" evoca um mundo remoto de maravilhas modernas,
o tempo em que o LP, o long-play,
ordenava o consumo de música e dava sentido à idéia de formar uma discoteca.
Ainda tivemos um último alento à
reunião de arquivos musicais em
prateleiras quando apareceu o CD,
embalado como mídia definitiva.
Agora, até minha doce e preguiçosa
gata Twiggy sabe que isso está mudando. O estoque da produção cultural torna-se prodigioso e as invenções eletrônicas criam facilidades
inéditas para fazer e difundir. Aconteceu, nos últimos 15 anos, o que dona Rosa, minha saudosa professora
comunista, chamaria de um "salto
de qualidade na esfera tecnológica"
(e complementaria: "na atual etapa
do capitalismo").
Vou pensando nessas e noutras
obviedades contemporâneas enquanto tento atravessar São Paulo
no horário do rush, medida temporal que na dinâmica capital bandeirante tem aplicação bastante elástica, podendo se estender das sete da
manhã às dez da noite.
A moça do helicóptero da rádio
descreve cenários apavorantes. Pessoas, carros, ônibus, vans e motocicletas tentam chegar a algum lugar.
Muita gente na área. E no mundo:
éramos 1 bilhão em 1820, 2 bilhões
em 1930, 3 bilhões em 1960, 5 bilhões em 1988. Os "population
clocks" dizem que agora estamos
perto de 6,6 bilhões de almas sobre a
superfície do planeta.
Dona Rosa não gostava muito da
conversa "malthusiana" sobre explosão demográfica. Mas ela não
deixaria de ver que estamos num
novo e impressionante cenário
quantitativo -e o agigantamento
desse dragão de duas cabeças chamado China não pára de nos chamar
a atenção para isso.
Mesmo considerando que a maior
parte dos seres humanos viva em
péssimas condições (esperemos que
Bono e a turma de Davos dêem logo
um jeito nisso), há um notável acréscimo de população que chega ao
mercado. E isso vai propiciando essa
espécie de pulverização sustentável
dos gostos, dos interesses culturais,
dos modismos e dos comportamentos a que estamos assistimos. Bastaria, aliás, observar a quantidade de
"ícones" que agora povoa a mídia para imaginar a proliferação das tribos.
Tudo isso, pensando bem, só encoraja minha escolha. Nada de "drill
& bass" ou "microhouse". Vou ligar
o iPod e submergir numa onda de
"isolationism".
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES, editor da Ilustrada, passa a escrever às quintas-feiras nesta coluna.
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