São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

"Porn groove" ou "drill & bass"?

Assistimos a uma espécie de "pulverização sustentável" dos modismos e interesses culturais

"PORN GROOVE" eu ainda não ouvi. Parece animado.
Ao menos mais sugestivo do que "drill & bass" e mais expansivo do que "microhouse". Mas não seria o caso de tentar um "Goa trance" ou um "sublow"? Não sei. Acho que vou experimentar mesmo o "isolationism" -esta sim me soa uma alternativa sedutora e sensata à multiplicação de estilos musicais que vejo na internet.
É verdade que a lista de gêneros e subgêneros catalogados e formatados pela indústria fonográfica já era longa -e um tanto bizarra- nas décadas finais do nosso glorioso século 20. Mas nada se compara ao que temos hoje. A própria expressão "indústria fonográfica" evoca um mundo remoto de maravilhas modernas, o tempo em que o LP, o long-play, ordenava o consumo de música e dava sentido à idéia de formar uma discoteca.
Ainda tivemos um último alento à reunião de arquivos musicais em prateleiras quando apareceu o CD, embalado como mídia definitiva.
Agora, até minha doce e preguiçosa gata Twiggy sabe que isso está mudando. O estoque da produção cultural torna-se prodigioso e as invenções eletrônicas criam facilidades inéditas para fazer e difundir. Aconteceu, nos últimos 15 anos, o que dona Rosa, minha saudosa professora comunista, chamaria de um "salto de qualidade na esfera tecnológica" (e complementaria: "na atual etapa do capitalismo").
Vou pensando nessas e noutras obviedades contemporâneas enquanto tento atravessar São Paulo no horário do rush, medida temporal que na dinâmica capital bandeirante tem aplicação bastante elástica, podendo se estender das sete da manhã às dez da noite.
A moça do helicóptero da rádio descreve cenários apavorantes. Pessoas, carros, ônibus, vans e motocicletas tentam chegar a algum lugar.
Muita gente na área. E no mundo: éramos 1 bilhão em 1820, 2 bilhões em 1930, 3 bilhões em 1960, 5 bilhões em 1988. Os "population clocks" dizem que agora estamos perto de 6,6 bilhões de almas sobre a superfície do planeta.
Dona Rosa não gostava muito da conversa "malthusiana" sobre explosão demográfica. Mas ela não deixaria de ver que estamos num novo e impressionante cenário quantitativo -e o agigantamento desse dragão de duas cabeças chamado China não pára de nos chamar a atenção para isso.
Mesmo considerando que a maior parte dos seres humanos viva em péssimas condições (esperemos que Bono e a turma de Davos dêem logo um jeito nisso), há um notável acréscimo de população que chega ao mercado. E isso vai propiciando essa espécie de pulverização sustentável dos gostos, dos interesses culturais, dos modismos e dos comportamentos a que estamos assistimos. Bastaria, aliás, observar a quantidade de "ícones" que agora povoa a mídia para imaginar a proliferação das tribos.
Tudo isso, pensando bem, só encoraja minha escolha. Nada de "drill & bass" ou "microhouse". Vou ligar o iPod e submergir numa onda de "isolationism".


MARCOS AUGUSTO GONÇALVES, editor da Ilustrada, passa a escrever às quintas-feiras nesta coluna.

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