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Comida
A cozinha secreta dos papas
Às vésperas da visita do papa Bento 16 ao Brasil, chega às livrarias livro sobre
os bastidores da cozinha do Vaticano
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um mês de insistência e nenhuma informação. O que o papa Bento 16 comerá em sua visita ao Brasil, em maio próximo, até agora é um mistério.
Sigilo maior ainda enfrentou
a jornalista e escritora espanhola Eva Celada. Por dois
anos, investigou os hábitos alimentares de todos os papas da
história e dissecou aquela que é
uma das cozinhas mais requintadas e internacionais, por onde passaram os melhores cozinheiros (alguns que também
serviram aos Médici) e de onde
saíram receitas hoje universais:
a cozinha do Vaticano.
Todas as descobertas sobre a
gastronomia papal e as preferências dos pontífices foram
compiladas em "Os Segredos da
Cozinha do Vaticano". Publicado na Espanha no último ano, o
livro acaba de ganhar uma versão em português pela Planeta
que chegará às livrarias neste
mês (R$ 69,90; 192 págs.).
Em entrevista à Folha, a autora conta que o levantamento
de informações para escrevê-lo
foi laborioso. "Os representantes oficiais do Vaticano não são
muito propensos a dar informação "particular" -e eles consideram que a alimentação dos
papas é particular", diz Eva.
Sem respostas do Vaticano,
teve de buscar informações
não-oficiais. "Contei com uma
ajuda "divina". De maneira casual, conheci pessoas vitais para desenvolver o livro."
Eva refere-se a um padre espanhol que trabalhava na farmácia do Vaticano e a levou à
cozinha de Santa Marta, uma
das várias do palácio papal e
centro dos banquetes oficiais.
A autora também recorreu à
bibliografia existente e saiu a
campo. Foi a restaurantes freqüentados por cardeais e visitou o bairro onde Joseph Ratzinger morava antes de ser papa. "Falei com fruteiros, sorveteiros e confeiteiros, já que ele
fazia suas compras pessoalmente quando era cardeal. E
fui ao colégio cardenalício polonês, onde estavam as cozinheiras de João Paulo 2º", diz.
"Nos dias anteriores ao conclave que elegeu Bento 16, dizia-se
que era nos restaurantes onde
comiam os cardeais que estava
sendo decidido o nome do novo
papa. É que ao redor de uma
mesa se move o mundo."
No livro, Eva elenca descobertas gastronômicas atribuídas ao Vaticano, como uma infinidade de preparações com
ovos e a invenção do banho-maria. Mas, por outro lado,
também mostra que o Vaticano
foi por séculos uma corte em
que o poder dos papas não era
apenas religioso mas também
político. E, assim sendo, tinha
banquetes tão sofisticados
quanto os de um rei. Menciona
ainda as "bulas", documentos
que outorgavam direitos a
quem os comprasse como a
dispensa das limitações alimentares impostas pelo jejum.
"De forma oficial, não houve
reação, mas eu recebi felicitações de pessoas vinculadas ao
Vaticano extra-oficialmente. O
livro é respeitoso com a igreja.
Não estava interessada em
criar conflito, em fazer uma
crítica mordaz sobre a ostentação do Vaticano, que tem sido
muita. Quis falar apenas sobre
sua gastronomia, protocolo, organização doméstica e costumes culinários. Contando as
coisas tal e qual foram, cada um
pode tirar suas conclusões."
Dois papas, dois extremos
Filho de cozinheira, Bento 16
é gastronomicamente mais entendido do que o era seu antecessor. Admira a cozinha sofisticada e não tão abundante, enquanto João Paulo 2º tinha um
paladar menos requintado.
"[Karol Wojtyla] preferia a
cozinha polonesa a qualquer
outra. Conheceu a alta gastronomia em seu papado, enquanto Bento 16 já estava acostumado a ela antes de ser papa", conta. "Há uma piada sobre João
Paulo 2º. Em uma cena da celebração em Santa Marta, antes
de ser papa, ao ver um menu
tão luxuoso, ele disse: "Vocês
não deveriam ter se incomodado comigo. Com pizza e massa,
eu tenho o bastante". Era até esse ponto que conhecia a gastronomia italiana, ou seja, nada."
Sobre Bento 16 há um dado
curioso: é o primeiro papa que
cozinhava antes de assumir seu
atual posto. "Vivia sozinho e
não tinha empregados. É um
homem que pode comer uma
massa com mariscos, mas que
também janta de forma simples
uma sopa de sêmola."
Outro aspecto interessante
abordado pelo livro é o fato de
que a maioria dos papas preferiam comer sozinhos, à exceção
de João Paulo 2º, para quem a
mesa era um lugar de encontro.
"Até o final do século 19, os papas comiam sozinhos porque
ninguém tinha nível suficiente
para comer com eles. Sentar-se
à mesa, cotovelo com cotovelo,
é um sintoma de familiaridade
que um papa não mantinha
com ninguém", conclui.
Leia o primeiro capítulo, a receita dos ovos beneditinos e a íntegra da entrevista
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