São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007

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Comida

A cozinha secreta dos papas

Às vésperas da visita do papa Bento 16 ao Brasil, chega às livrarias livro sobre os bastidores da cozinha do Vaticano

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um mês de insistência e nenhuma informação. O que o papa Bento 16 comerá em sua visita ao Brasil, em maio próximo, até agora é um mistério.
Sigilo maior ainda enfrentou a jornalista e escritora espanhola Eva Celada. Por dois anos, investigou os hábitos alimentares de todos os papas da história e dissecou aquela que é uma das cozinhas mais requintadas e internacionais, por onde passaram os melhores cozinheiros (alguns que também serviram aos Médici) e de onde saíram receitas hoje universais: a cozinha do Vaticano.
Todas as descobertas sobre a gastronomia papal e as preferências dos pontífices foram compiladas em "Os Segredos da Cozinha do Vaticano". Publicado na Espanha no último ano, o livro acaba de ganhar uma versão em português pela Planeta que chegará às livrarias neste mês (R$ 69,90; 192 págs.).
Em entrevista à Folha, a autora conta que o levantamento de informações para escrevê-lo foi laborioso. "Os representantes oficiais do Vaticano não são muito propensos a dar informação "particular" -e eles consideram que a alimentação dos papas é particular", diz Eva.
Sem respostas do Vaticano, teve de buscar informações não-oficiais. "Contei com uma ajuda "divina". De maneira casual, conheci pessoas vitais para desenvolver o livro."
Eva refere-se a um padre espanhol que trabalhava na farmácia do Vaticano e a levou à cozinha de Santa Marta, uma das várias do palácio papal e centro dos banquetes oficiais.
A autora também recorreu à bibliografia existente e saiu a campo. Foi a restaurantes freqüentados por cardeais e visitou o bairro onde Joseph Ratzinger morava antes de ser papa. "Falei com fruteiros, sorveteiros e confeiteiros, já que ele fazia suas compras pessoalmente quando era cardeal. E fui ao colégio cardenalício polonês, onde estavam as cozinheiras de João Paulo 2º", diz. "Nos dias anteriores ao conclave que elegeu Bento 16, dizia-se que era nos restaurantes onde comiam os cardeais que estava sendo decidido o nome do novo papa. É que ao redor de uma mesa se move o mundo."
No livro, Eva elenca descobertas gastronômicas atribuídas ao Vaticano, como uma infinidade de preparações com ovos e a invenção do banho-maria. Mas, por outro lado, também mostra que o Vaticano foi por séculos uma corte em que o poder dos papas não era apenas religioso mas também político. E, assim sendo, tinha banquetes tão sofisticados quanto os de um rei. Menciona ainda as "bulas", documentos que outorgavam direitos a quem os comprasse como a dispensa das limitações alimentares impostas pelo jejum.
"De forma oficial, não houve reação, mas eu recebi felicitações de pessoas vinculadas ao Vaticano extra-oficialmente. O livro é respeitoso com a igreja. Não estava interessada em criar conflito, em fazer uma crítica mordaz sobre a ostentação do Vaticano, que tem sido muita. Quis falar apenas sobre sua gastronomia, protocolo, organização doméstica e costumes culinários. Contando as coisas tal e qual foram, cada um pode tirar suas conclusões."

Dois papas, dois extremos
Filho de cozinheira, Bento 16 é gastronomicamente mais entendido do que o era seu antecessor. Admira a cozinha sofisticada e não tão abundante, enquanto João Paulo 2º tinha um paladar menos requintado.
"[Karol Wojtyla] preferia a cozinha polonesa a qualquer outra. Conheceu a alta gastronomia em seu papado, enquanto Bento 16 já estava acostumado a ela antes de ser papa", conta. "Há uma piada sobre João Paulo 2º. Em uma cena da celebração em Santa Marta, antes de ser papa, ao ver um menu tão luxuoso, ele disse: "Vocês não deveriam ter se incomodado comigo. Com pizza e massa, eu tenho o bastante". Era até esse ponto que conhecia a gastronomia italiana, ou seja, nada."
Sobre Bento 16 há um dado curioso: é o primeiro papa que cozinhava antes de assumir seu atual posto. "Vivia sozinho e não tinha empregados. É um homem que pode comer uma massa com mariscos, mas que também janta de forma simples uma sopa de sêmola."
Outro aspecto interessante abordado pelo livro é o fato de que a maioria dos papas preferiam comer sozinhos, à exceção de João Paulo 2º, para quem a mesa era um lugar de encontro. "Até o final do século 19, os papas comiam sozinhos porque ninguém tinha nível suficiente para comer com eles. Sentar-se à mesa, cotovelo com cotovelo, é um sintoma de familiaridade que um papa não mantinha com ninguém", conclui.


Leia o primeiro capítulo, a receita dos ovos beneditinos e a íntegra da entrevista

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