São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Caça ao tesouro

Vazio do Novo Museu da Acrópoles, em Atenas, acirra debate sobre devolução de peças expostas no British Museum, em Londres

Divulgação
Frontão do Parthenon, com lacunas, no Novo Museu da Acrópoles

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A ATENAS
FERNANDA MENA
EM LONDRES

O enorme vazio no prédio de vidro estranhamente fincado no bairro turístico de Plaka, em Atenas, grita ao visitante uma mensagem pouco conceitual e muito política: os gregos querem suas peças de volta.
Querem tanto que ergueram ao pé das ruínas da Acrópole a enorme estrutura de metal, concreto e vidro assinada pelo suíço Bernard Tschumi. O efeito é de notório contraste com as casas modestas ao redor.
Os gregos passaram oito anos construindo um novo museu. Gastaram 130 milhões (cerca de R$ 315 milhões) e deixaram dois dos quatro andares praticamente pelados só para dizer que agora, sim, têm onde abrigar a coleção de mármores do Parthenon que lorde Elgin, então o embaixador britânico no Império Otomano, levou para Londres no século 19.
Desde 1816, a coleção que ficou conhecida como mármores de Elgin e que compreende quase todo o Parthenon -o templo que o imperador Péricles mandou erguer para a deusa Atenas no século 5 antes de Cristo- está no British Museum. Atenas ficou com os frisos que ornavam a fachada.
Desde 1980, a Grécia requer o retorno das peças de Londres a Atenas. "Os britânicos sempre disseram que, se nos devolvessem as peças, nós não teríamos espaço apropriado. Hoje nós temos", diz à Folha Dimitrius Pandermalis, presidente do Novo Museu da Acrópoles.
Pandermalis contém o otimismo. "Agora o British Museum diz: "Ah, somos um museu universal, e sem as peças a coleção será incompleta"."
O diretor do British Museum, Neil McGregor, usou uma metáfora, durante uma aula aberta em Londres, para descrever a disputa: "Nós enxergamos nos objetos aquilo que queremos ver". Sobre o caso dos mármores, disse: "Uma nação inteira resolveu abraçar essas peças como algo fundamental para a identidade grega. É um exemplo em que se enxerga aquilo que se quer ver".
O museu de Atenas foi aberto no fim de junho do ano passado e ainda não funciona à plena força. Em oito meses, no entanto, recebeu estimados 1,6 milhão de visitantes.
Os 14 mil m2 reservados para exibição, numa área total de 23 mil m2, são dez vezes o museu anterior. Os argumentos gregos se estendem na arquitetura que impressiona, na curadoria precisa, na escolha pela luz natural, na vista panorâmica da Acrópoles, no sítio de escavação e nas lojas e restaurantes no padrão dos melhores museus dos EUA e da Europa.

Problema visível
A questão virou assunto de governos, numa negociação que mais parece um trabalho de Sísifo. Segundo Pandermalis, há hoje conversas no sentido de uma colaboração com o British Museum.
Como ela ocorreria -se com exibições rotativas ou posse compartilhada- ele não esclarece. "O importante é que vamos debater isso de forma realista, para o bem de ambas as instituições."
Pelos corredores, a questão fica latente. A falta que as peças fazem, entre estátuas clássicas do século 5 a.C. e artefatos rústicos do século 7 a.C., é óbvia com o friso do Parthenon e uma e outra peça flutuando sem os pilares, esculturas e outras partes levadas a Londres. Mas, nos folhetos e placas informativas, nada há a respeito.
"Nosso visitante pode ver o problema muito claramente na disposição das peças, não é preciso ler um texto sobre isso", explica Pandermalis.
Em breve, talvez já no meio do ano, os sítios arqueológicos que por ora só podem ser avistados dos jardins e do hall principal, serão abertos à visitação.
A nuvem no horizonte é a megadívida grega, que botou o país em um regime de austeridade monitorado com coleira curta pela União Europeia. Com ingressos a 3, a maior parte da verba vem do governo grego, que terá de fazer cortes drásticos em seu orçamento pelos próximos três anos.
Pandermalis diz que o arrocho se faz sentir, e, por ora, o museu o tem contornado. Mas espera logo ter lucro suficiente nos restaurantes e lojas para cobrir mais de sua despesa. Antes que a crise bata.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Visita a museu britânico desperta raiva e mea-culpa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.