São Paulo, sábado, 15 de abril de 2000


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CORTÁZAR
A gênese de um clássico

CYNARA MENEZES
especial para a Folha


Mais do que uma estratégia editorial, é uma sorte que o segundo volume da "Obra Crítica" de Julio Cortázar saia agora, pouco depois do relançamento de "O Jogo da Amarelinha" ("Rayuela"), obra máxima do escritor argentino (1914-1984).
São textos sobre literatura escritos entre 1941 e 1963, período justamente anterior a "Rayuela" (lançado em 63), e que funcionam como uma espécie de rastreamento da gênese do livro, mostrando o que lia, pensava e o que iria inspirar Cortázar na confecção de uma das obras mais originais da história da literatura.
"Rayuela" é, segundo o próprio autor, não um, mas dois livros: o que se lê do princípio até o capítulo 56 e o que se lê, conforme suas instruções, em capítulos alternados, a começar do 73. É de liberdade que se está falando e, sendo assim, "Rayuela" não são dois, mas múltiplos livros.
Ambientado em Paris, onde viveu Cortázar, sua "história" é a da busca da Maga, a personagem central, pela boêmia capital francesa de então. Será encontrada? Como no jogo infantil, pulam-se casas, volta-se atrás. O "Céu" (o final do jogo) parece distante.
No último texto deste volume da "Obra Crítica", dirigido a leitores cubanos, Julio Cortázar dá alguma pista sobre a origem de sua singular inventiva.
Adverte que pertence ao "gênero chamado de fantástico por falta de melhor nome", mas tampouco define em qual se encaixaria. Aí se pode ver onde ele bebe: muitos dos escritos defendem o surrealismo e abraçam o existencialismo.
Trata de Rimbaud sob o signo do surrealismo, a quem defende em "Um Cadáver com Vida", e se extasia diante de "Os Esquecidos", de Luis Buñuel. Elogia "A Náusea", de Jean-Paul Sartre, e critica o estabelecimento de um vínculo entre os existencialistas e o irracionalismo -e, por conseguinte, o nazismo.
O fantástico, ainda que rejeite o termo, fascina o escritor, que delicia quando se dedica, em 51 (ano de lançamento de sua primeira obra dramática, "Los Reyes"), à vida do norte-americano Edgar Allan Poe, de quem analisa os principais contos, como "A Queda da Casa de Usher" ou "Ligeia".
Lia também histórias policiais e seus contemporâneos, como Victoria Ocampo, sua editora na revista "Sur", a quem fala em segunda pessoa em uma das resenhas. E, curiosamente, se dedicava ainda a teorizar sobre o romance -modéstia de quem se acreditava contista, não romancista?
A esse respeito, vale reproduzir o que diz, concordando com um amigo que comparava os dois gêneros ao boxe: "O romance sempre ganha por pontos, ao passo que o conto precisa ganhar por nocaute". Com "Rayuela", Cortázar subverteu a máxima, e nocauteia aos poucos, deixando o leitor tonto a cada capítulo, esperando a contagem para recomeçar.
Uma observação apenas: em ambos os volumes, faz falta uma foto do rosto marcante e estranho de Julio Cortázar, com seus olhos separados "como os de um novilho", como descreveu certa vez Gabriel García Márquez.


Avaliação:     0("O Jogo da Amarelinha" e "Obra Crítica - vol. 2")

Livro: O Jogo da Amarelinha Título Original: Rayuela Autor: Julio Cortázar Tradutor: Fernando de Castro Ferro Editora: Civilização Brasileira Quanto: R$43 (640 págs.) Livro: Obra Crítica - vol. 2 Autor: Julio Cortázar Tradutores: Paulina Wacht e Ari Roitman Editora: Civilização Brasileira Quanto: R$ 38 (368 págs.)

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