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"CASA"
Jobim ganha tributo de precisão e alma
Alexandre Schneider/Folha Imagem
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O pianista e compositor japonês Ryuichi Sakamoto, que assina o tributo a Jobim "Casa" junto com Paula e Jaques Morelenbaum |
DA REPORTAGEM LOCAL
Tributos a Tom Jobim saem
quase semanalmente, e eles
são quase todos iguais, sempre.
"Casa", concebido em trio pelos
brasileiros Paula e Jaques Morelenbaum e pelo japonês Ryuichi
Sakamoto, não foge à regra.
Há uma diferença, entretanto. À
diferença de dezenas e dezenas de
discos parecidos e tediosos que a
memória de Tom tem estimulado
existirem, este traz em matéria
bruta a alma do próprio Tom.
Deve-se, principalmente, à presença dos dois brasileiros. Sakamoto é, no contexto, além de executor extremado, um fã de Jobim
-cuja presença ajudou que o trabalho fosse editado no exterior,
no ano passado. Os Morelenbaum, por sua vez, trabalharam
com Tom por uma década, quando adquiriram o know-how que
expõem aqui, de forma integral.
Os detalhes felizes se sobrepõem: Paula e Jaques levaram
Ryuichi para gravar na casa carioca (daí o nome do CD) em que
Tom morava e compôs muito de
sua obra; não privilegiaram um
recorte da obra do artista, mas vários; estabeleceram, como um dos
recortes, desprezar a fornalha de
temas batidos de Jobim, preferindo a variedade à saturação.
E, acima de tudo, honraram a
lembrança insepulta de Tom ao
fazerem necessários em cada segundo do CD a delicadeza, o intimismo, a concisão, a tranquilidade, a generosidade.
Jaques, então, abandona de repente o tédio de uma década devotada ao exibicionismo no violoncelo, como acompanhante e
diretor musical de Caetano Veloso. Seu instrumento de eleição,
que se tornou voz corrente na
MPB dos anos 90 a ponto de fazê-lo parecer uma versão "culta" dos
teclados new age de Lincoln Olivetti nos 80, volta a adquirir vida
no emprego da introspecção.
Tem lá seus solos, como em
"Inútil Paisagem" (meio exagerada) ou em "Derradeira Primavera" (serena e imponente), mas no
mais parece estar aperfeiçoando o
que fazia, com menos senso de
orientação, com o próprio Tom.
Algo parecido se dá com Paula,
sua mulher. Se muito ela já tendeu
à maldição das cantoras virtuosas
que interpretam Jobim como se
fossem morrer de dor e emoção
amanhã de manhã, aqui ela é uma
pérola de discrição. Não foge à regra da incapacidade de reverenciar o autor pela via da irreverência, mas cumpre seu papel sem
gotas de adoçante a mais.
A Sakamoto, enfim, só resta deitar e rolar sobre a cama dessa casa. É o que ele faz, pronto.
Unidos, revisam algumas canções inquestionáveis ("As Praias
Desertas", "Fotografia", "Vivo
Sonhando"), uma ou outra controversa ("Sabiá"), certas obscuras ou quase ("Imagina", "Chanson pour Michelle"), nenhuma
gratuita.
"Casa" se encerra como um CD
passadista (99% do que se faz em
torno de Jobim é assim), talvez
conservador, mas de precisão e
honestidade admiráveis. E o céu
carioca da bossa nova continua
rosa, como na capa de "Casa".
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Casa
Artistas: Paula Morelenbaum, Jaques
Morelenbaum e Ryuichi Sakamoto
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 30, em média
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