São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 2002

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"CASA"

Jobim ganha tributo de precisão e alma

Alexandre Schneider/Folha Imagem
O pianista e compositor japonês Ryuichi Sakamoto, que assina o tributo a Jobim "Casa" junto com Paula e Jaques Morelenbaum


DA REPORTAGEM LOCAL

Tributos a Tom Jobim saem quase semanalmente, e eles são quase todos iguais, sempre. "Casa", concebido em trio pelos brasileiros Paula e Jaques Morelenbaum e pelo japonês Ryuichi Sakamoto, não foge à regra.
Há uma diferença, entretanto. À diferença de dezenas e dezenas de discos parecidos e tediosos que a memória de Tom tem estimulado existirem, este traz em matéria bruta a alma do próprio Tom.
Deve-se, principalmente, à presença dos dois brasileiros. Sakamoto é, no contexto, além de executor extremado, um fã de Jobim -cuja presença ajudou que o trabalho fosse editado no exterior, no ano passado. Os Morelenbaum, por sua vez, trabalharam com Tom por uma década, quando adquiriram o know-how que expõem aqui, de forma integral.
Os detalhes felizes se sobrepõem: Paula e Jaques levaram Ryuichi para gravar na casa carioca (daí o nome do CD) em que Tom morava e compôs muito de sua obra; não privilegiaram um recorte da obra do artista, mas vários; estabeleceram, como um dos recortes, desprezar a fornalha de temas batidos de Jobim, preferindo a variedade à saturação.
E, acima de tudo, honraram a lembrança insepulta de Tom ao fazerem necessários em cada segundo do CD a delicadeza, o intimismo, a concisão, a tranquilidade, a generosidade.
Jaques, então, abandona de repente o tédio de uma década devotada ao exibicionismo no violoncelo, como acompanhante e diretor musical de Caetano Veloso. Seu instrumento de eleição, que se tornou voz corrente na MPB dos anos 90 a ponto de fazê-lo parecer uma versão "culta" dos teclados new age de Lincoln Olivetti nos 80, volta a adquirir vida no emprego da introspecção.
Tem lá seus solos, como em "Inútil Paisagem" (meio exagerada) ou em "Derradeira Primavera" (serena e imponente), mas no mais parece estar aperfeiçoando o que fazia, com menos senso de orientação, com o próprio Tom.
Algo parecido se dá com Paula, sua mulher. Se muito ela já tendeu à maldição das cantoras virtuosas que interpretam Jobim como se fossem morrer de dor e emoção amanhã de manhã, aqui ela é uma pérola de discrição. Não foge à regra da incapacidade de reverenciar o autor pela via da irreverência, mas cumpre seu papel sem gotas de adoçante a mais.
A Sakamoto, enfim, só resta deitar e rolar sobre a cama dessa casa. É o que ele faz, pronto.
Unidos, revisam algumas canções inquestionáveis ("As Praias Desertas", "Fotografia", "Vivo Sonhando"), uma ou outra controversa ("Sabiá"), certas obscuras ou quase ("Imagina", "Chanson pour Michelle"), nenhuma gratuita.
"Casa" se encerra como um CD passadista (99% do que se faz em torno de Jobim é assim), talvez conservador, mas de precisão e honestidade admiráveis. E o céu carioca da bossa nova continua rosa, como na capa de "Casa".
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Casa
   
Artistas: Paula Morelenbaum, Jaques Morelenbaum e Ryuichi Sakamoto
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 30, em média




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