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São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003

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ARTES PLÁSTICAS

Objetivo, escritor alemão vincula Rodin à sua época

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Por vias tortas, Rainer Maria Rilke (1877-1926), nesta coleção de textos sobre Auguste Rodin (1840-1917), relançada pela Nova Alexandria, consegue aproximar um artista de seu tempo. Com um tom provisório, à cata de definições para o que havia de novo na obra do francês, o escritor de língua alemã, ao se ater a um aspecto autônomo da obra de Rodin, encontra o nexo dela com o mundo.
Tem ambiguidade por todo lado na plástica do mestre francês. Com a paternidade de uma tradição que vem da escultura de Michelangelo, sua obra se abastardou e mostrou desejo arraigado de ruptura. Sem risco poderíamos encontrar em estátuas de Rodin tanto os episódios do brilho material como a renovação do bronze, num realismo moderno, comprometido com a superfície das peças, menos temático e mais visual.
Por meio de sua acurada modelagem, há tanto uma dramatização das cenas narradas como a potencialização de uma superfície das peças. Por seu aspecto transitório, os critérios e ênfases a serem dados aos trabalhos passam a ser tateados, encontrados em um campo de valores distintos.
O caminho para Rilke também não era seguro. O escritor aprofundava inquietações poéticas à procura de uma linguagem mais objetiva, concreta e descritiva. O convívio com o francês certamente teve muito peso nesta transição.
E é a objetividade que mobiliza grande parte do interesse de Rilke na obra de Rodin. Uma obra em que os fenômenos escultóricos acontecem em cada trabalho. Como se fremissem o bronze, criassem rugas nele e o mostrassem como ação autônoma. Deste modo, o escritor desvincula os méritos de Rodin de um tom alusivo da leitura acadêmica.
O que prevalece na análise de Rilke é menos o tom narrativo e mais o tratamento dado à superfície, que coloca a peça para agir no presente. Independente de sua função de ilustrar uma narrativa, a modelagem mostra força no seu ritmo, como se desse uma presença vital ao material esculpido.
A vida atribuída às peças não vem do papel que cada estátua tem na narrativa histórica que as agrupa. Ela aparece no enrugado orgânico e suave que o artista dá ao metal. Em sua singularidade e autonomia.
Por isso a idéia da obra "não acabada", que desafiava uma sensibilidade acadêmica, é importante. Refere-se ao momentâneo, a uma série de eventos que se encerram na escultura, mas não a diluem em um ato com começo, meio e fim. Refere-se a uma série de eventos simultâneos que despertam o objeto de seu sono, dando chance para a beleza. Pois a beleza encontra amparo no singular e vital. Como diz Rilke, ela pousa nas peças "como um acréscimo".
É desta capacidade de despertar os objetos que Rilke vincula Rodin à sua época. Talvez este seja o aspecto mais forte do texto. Como na análise que o artista faz do francês Paul Cézanne (1839-1906), ele procura em Rodin uma espécie de vigor do trabalho para despertar a história. Este labor vai contra uma certa assepsia da modernização. Desperta a matéria, pelo contato diário e disciplinado com o seu meio, e a torna singular, cheia de sumo. O trabalho transforma a natureza sem desmontá-la em partes sem sentido. Pelo contrário, lhe dá vigor, como os movimentos de trabalhadores do começo do século davam viço a seu período histórico.


Auguste Rodin    
Autor: Rainer Maria Rilke
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 26 (176 págs.)



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