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O LIVRO
Diretor faz leitura selvagem
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Dos três grandes livros que
Glauber Rocha (1939-81) escreveu sobre seu meio de expressão -"Revisão Crítica do Cinema Brasileiro", "Revolução do Cinema Novo" e "O Século do Cinema"-, este último, publicado
postumamente em 1983, é o mais
variado e de amplo alcance.
Reunindo artigos, ensaios e críticas escritos por Glauber desde
os 17 anos até poucos meses antes
de sua morte, o livro se divide em
três grandes blocos: "Hollywood", "Neo-Realismo" e "Nouvelle-Vague".
A nova e caprichada edição inclui um luminoso prefácio de Ismail Xavier e fortuna crítica com
textos de Rogério Sganzerla e
Paulo Leminski, entre outros.
Crítica e celebração
Na primeira parte, o cineasta
baiano passa pela lâmina afiada
de sua crítica o cinema clássico
americano (Griffith, Ford,
Wyler), cria seu panteão de inovadores (Chaplin, Welles, Kubrick)
e esculhamba, com toda a petulância de sua juventude, monstros
sagrados como Kazan, Hitchcock
e Brando.
O eventual sectarismo da abordagem não obscurece a agudeza
da percepção do jovem crítico e
muito menos a força de sua paixão. Chamam a atenção as relações inesperadas que Glauber encontra entre a iconografia do western e a da juventude transviada
dos anos 50.
É curioso, igualmente, o contraponto que ele faz entre a figura de
James Dean e a de Marlon Brando, exaltando o primeiro para
execrar o segundo.
A parcialidade extrema e a divisão do mundo entre o certo (o revolucionário, o íntegro) e o errado (o reacionário, o mistificador)
são traços permanentes da atividade crítica de Glauber. Ele chamava a isso de dialética, mas talvez tivesse mais a ver com o maniqueísmo de sua formação protestante.
Um dos textos mais divertidos e
fascinantes do primeiro bloco é
uma carta, publicada na revista
"Status", em que Glauber relata a
Paulo Francis sua temporada em
Nova York, em 1968.
Tudo o que ocorria então na
metrópole americana, do Living
Theatre ao "free jazz", do cinema
"underground" à boemia hippie
do Village, passa pelo crivo antropofágico do cineasta. Com direito
a observações sagazes como esta:
"Do que me foi dado perceber, os
americanos são fanáticos pra burro e o protestantismo do Velho
Testamento é responsável por
muita deformação purificadora
homicida".
Prosa vulcânica
Mas é na segunda parte do livro
que se encontram os textos de
maior profundidade crítica e de
maior relevância para a compreensão do próprio cinema de
Glauber Rocha.
O núcleo desse bloco é o neo-realismo, mas a análise se estende
a Eisenstein, Buñuel, Visconti,
Antonioni, Fellini, Bergman, Pasolini. É aí que se encontram os
grandes casos de amor e ódio do
autor baiano, numa prosa vulcânica que ignora as fronteiras entre
a dimensão intelectual, a afetiva e
a erótica.
Merece destaque a evolução da
apreciação de Fellini por Glauber.
Anos depois de ter tachado o diretor de "A Doce Vida" de "moralista e provinciano", o brasileiro
passa a considerá-lo "o maior
pintor móvel do século".
Entre um momento e outro,
Glauber empreende uma espécie
de psicanálise selvagem do cineasta italiano.
A última parte do livro foi escrita sob o signo de Godard e mostra
o quanto o diretor de "Acossado"
influenciou as idéias de cinema de
Glauber.
No todo, é um livro irregular, vivo, inquieto e inesgotável -exatamente como seu autor.
O Século do Cinema
![](http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Glauber Rocha
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 69 (416 págs.)
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