São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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MEMÓRIA

Rauschenberg prolongou a percepção do mundo real

Expoente das artes plásticas no pós-2ª Guerra, americano participou de quatro bienais de SP e triunfou com trabalhos que explodiram o suporte físico da tela

NELSON AGUILAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Robert Rauschenberg vem a São Paulo em 1967 para compor a comitiva da representação americana da 9ª Bienal. Ocupa a entrada do pavilhão uma tela sua imensa, cujo título, "Barcaça", indica o veículo de transporte fluvial que carrega cubo vazio, edifício, nuvens, guarda-chuva (ou pára-sol), jogadores de rúgbi (ou beisebol), nadadores, cebolão, caminhão, Vênus, radar, fábricas, bomba, cubo na penumbra, pássaros numa gaiola sombria, homem só, chave.
Essa enumeração borgeana, processada pelo poeta francês Alain Jouffroy sob o impacto da obra, testemunha a imensa rede que o pintor lança em torno da civilização norte-americana e exibe em seu painel.
Um homem alto, comunicativo, que queria conhecer as pessoas, completamente esquecido de ser o detentor da premiação máxima da Bienal de Veneza de 1964, o responsável pela capitulação artística da Europa diante dos Estados Unidos.
Também há "Buffalo II", laureado na mostra da Sereníssima, com a imagem de Kennedy que, na época, ainda conota a violência com que havia sido eliminado. A sucessão de serigrafias impressas, a desconexão das imagens e a veemência das pinceladas anunciam o triunfo completo do "ready-maker", que vira a folha da arte. "Não quero que uma pintura se assemelhe com o que não é.
Quero que se assemelhe com o que é. E penso que uma pintura é como o mundo real quando prolonga o mundo real."

Pinturas conglomeradas
A partir de 1955, começa a integrar não só imagens reais, mas objetos em suas colagens, inventando o que chamaria de pinturas conglomeradas. Assim, explode o suporte físico da tela, criando um espaço que seria mais tarde o das instalações.
A 22ª Bienal, em 1994, convida-o por reconhecer o pioneirismo de seu trabalho. Não se conseguiu convencer o artista a vir, mesmo com passagens de primeira classe reservadas a ele e ao companheiro. O objetivo da mostra é tratar a expansão do suporte na arte contemporânea, por meio de convidados como Broodthaers, Chamberlain, Clark, Fontana, Kirkeby, Long, Oiticica, Schendel, Soto e de representantes de seus países, como Anselmo, Cabrita Reis, Cemin, Chadwick, Kcho, Richter e Tunga, entre outros.

Artista do acaso
Rauschenberg foi permeado pela abertura ao espírito oriental, pela valorização do acaso presente na poética musical de seu amigo John Cage. Um diálogo significativo acontece quando vai ao ateliê de William de Kooning pedir um desenho para ser apagado, em 1953. De Kooning escolhe um particularmente difícil. Rauschenberg gasta três semanas para apagá-lo, consumindo 15 borrachas de diferentes tipos.
No envio à Bienal de 94, a roda predomina em grande parte das peças, dando uma sensação de mobilidade e velocidade aos objetos. As pás de um moinho de vento movido a eletricidade dão a impressão de um imenso mandala industrial. As cadeiras embutidas nessas construções permanecem como pausas para a contemplação num mundo extremamente intricado, caótico e fascinante, percorrido por um ventilador alado ou pelo Pégaso da Móbil. Rauschenberg deixa boa parte do universo artístico órfão.


NELSON AGUILAR é professor de história da arte da Unicamp; foi curador-geral da 22ª (1994) e da 23ª (1996) Bienal de São Paulo e da quarta Bienal do Mercosul (2003)


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