|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Wayne Kramer
O ex-guitarrista do lendário quinteto MC5 lança no país o CD "Citizen Wayne"; em entrevista exclusiva à Folha, ele fala sobre o novo trabalho, o tempo em que passou preso e comenta os três discos clássicos de
sua antiga banda
|
FÁBIO MASSARI
especial para a Folha
Algumas boas famílias do
rock'n'roll estão em festa. Do tipo
barulhenta, apaixonada. E do tipo
que apavora a maioria dos vizinhos, principalmente os desavisados de plantão. Wayne Kramer
comemorou recentemente 50
anos de vida. E que vida...
Na virada dos anos 60 para os 70,
a América -das flores no cabelo,
do tablete sob a língua, dos mortos
ensacados no Vietnã, das tretas raciais, da bandalheira política- foi
literalmente tomada de assalto por
um protótipo de guerrilha urbana
que fazia sua pregação e despejava
sua artilharia em ritmo de rock.
Com propulsão sônica assustadora, motor de uma simbiose maluca de soul libidinoso, funkão da
pesada e emulação desgovernada
da liberdade jazzística, o MC5
"explodiu" no cenário da cultura
rock da época.
Mas o "acontecimento" do
MC5 não foi garantia de mar de
rosas para seus integrantes. Muito
pelo contrário. Principalmente
para um dos responsáveis pela
"rifferama" do grupo, o guitarrista Wayne Kramer.
Quando o MC5 se despedaçou
no começo dos anos 70, Kramer,
20 e poucos anos, deu início a sua
turnê pelo inferno, sozinho, desempregado e na ressaca perigosa
dos excessos de uma estrada sinuosa. Tombou em uma armação
policial. Vendeu cocaína para um
agente da polícia, declarou-se culpado e ficou dois anos preso.
Ao sair, trombou de frente com
o ex-guitarrista do New York
Dolls, Johnny Thunders. Juntos
formaram o Gangwar, e Kramer
viu de novo o abismo.
Com Thunders descontrolado,
Kramer, em liberdade condicional, vivia o horror, a paranóia. Parecia ouvir o tenebroso e angustiante chamado das profundezas.
Saiu andando e partiu para a briga
com seus demônios.
Tocou com algumas formações
discretas, colaborou com os conterrâneos do Was (Not Was), restabeleceu conexões antigas (inclusive com o ex-empresário e mentor do MC5, John Sinclair) e, em
plena década de 90, na rebordosa
da situação pós-Nirvana, se levantou para mais um combate, com
disposição e alegria invejáveis.
De um par de anos para cá, lançou três discos pelo selo californiano Epitaph. O terceiro, "Citizen Wayne", está sendo lançado
no Brasil (leia texto ao lado). Já está com um quarto disco (ao vivo)
pronto para o selo, que deve ser
lançado em agosto.
Kramer é simpático, fala pausadamente e ri muito das suas próprias tiradas. Ele falou de sua casa,
em Los Angeles, com exclusividade para a Folha. O irmão Wayne
Kramer está de volta com a bola
toda e diz querer vir ao Brasil de
qualquer maneira.
Folha - O disco "Citizen Wayne" é
um dos grandes da sua carreira e
certamente seu trabalho mais autobiográfico.
Wayne Kramer - Tentei contar
um pouco da história, como é viver a vida louca de Wayne Kramer,
dos tempos do MC5 em diante, e
mostrar como é fazer esse trabalho
hoje, adulto, com a mesma paixão
e com um sentido para tudo isso.
Parte do meu trabalho é contar essa história.
Folha - Dos discos lançados pela
Epitaph, "Citizen Wayne" é o mais
aberto a explorações sonoras.
Kramer - Com certeza é muito
mais a viagem do que o destino final. É disparar a música que eu
amo e os sons que me apaixonam.
Folha - A faixa "Down on the
Ground" fala da histórica e tumultuada apresentação do MC5 na
convenção do Partido Democrata,
em Chicago, 1968. Como explicar a
experiência de assistir ao show do
MC5 ao vivo?
Kramer - Era uma combinação
de Sun Ra com James Brown, tudo
em uma banda, com a pegada militante, política. Em "Down on the
Ground" tentei contar a história
do que aconteceu naquele dia em
Chicago. As outras bandas (Grateful Dead, Jefferson Airplane, Big
Brother & The Holding Company)
não apareceram. Tocar para a polícia de Chicago não era uma boa
idéia. Acho que se tivéssemos alguma coisa na cabeça não teríamos tocado. Mas éramos de Detroit, fazíamos aquilo todo dia.
Folha - Em "Count Time" você fala da prisão, e, na hora da contagem dos presos, aparecem alguns
nomes "suspeitos", como Berry,
Monk, Parker, Sinclair...
Kramer - Queria escrever uma
"prison song" (música de prisão)
que não fosse melodramática,
mostrar que muita gente vai para a
cadeia (risos). Isso não é novidade
para ninguém, é só lembrar de
Johnny Cash, Steve Earle, esse pessoal, ou mesmo o mais novo, como Tommy Lee (Motley Crue).
Folha - Como a experiência da
prisão afetou o artista?
Kramer - Acho que me tornei
um músico melhor, porque tinha
tempo para estudar. Sabia que o
importante para mim era cumprir
a pena, tirar o meu tempo, fazer o
meu trabalho. O trabalho é a coisa
mais importante nessa situação.
Todas as outras coisas acabam
sendo só distração (longa pausa)...
Folha - Nesses três discos recentes você trabalhou com muita gente, várias formações, do pessoal do
Claw Hammer a Scott Thunes,
ex-baixista de Frank Zappa.
Kramer - Miles Davis nunca
gravou com a mesma banda duas
vezes. Hoje tenho uma idéia bem
clara de quem sou, tenho certeza
de como eu quero que as coisas
soem. Há um monte de músicos
com os quais eu gostaria de trabalhar. O que Zappa tinha era autodeterminação, mostrou que era
possível viver em um mundo em
que as pessoas ficam te perguntando "quem você pensa que é?".
Folha - Como avaliar o legado do
MC5?
Kramer - Acho que os músicos
sempre respeitaram muito o MC5.
O que fica é que você pode fazer
alguma coisa do nada, se você
acredita em algo, se você é capaz
de brigar por isso. Sempre vai existir música pop ruim (risos), mas
existe mais coisa ruim no mundo
do que música pop ruim! A maioria das minhas lembranças é boa.
Como fomos tratados pelas gravadoras, isso não é bom, mas essa é a
indústria do disco, eles não se importam nem um pouco com sua
cabeça, com sua música, só querem saber de empurrar discos.
Folha - O MC5 tinha na linha de
frente uma das mais inacreditáveis
parcerias da história da guitarra:
Wayne Kramer e Fred "Sonic"
Smith.
Kramer - Foi o melhor momento musical de minha vida. Fred e eu
crescemos juntos, aprendemos a
tocar guitarra juntos e, na hora em
que fomos tocar juntos, não dava
para dizer quem estava tocando o
que, liberdade musical absoluta.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|