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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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Jô Soares abre seu supermercado de piadas em espetáculo com situações do cotidiano

Nas graças do GORDO

Marlene Bergamo/Folha Imagem
O humorista Jô Soares na biblioteca de sua casa, em São Paulo


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quase 15 anos no comando de um "talk show" diário na televisão, Jô Soares, 65, anda preocupado com as coisas que o cercam. "Comprei uma lava-louças e no manual vinha escrito: "Quando for necessário repor o líquido secante, ficará óbvio". Óbvio como? E, aliás, como um líquido pode ser secante?"
Sacadas como essa, tiradas do dia-a-dia e armazenadas há anos em seu computador, são a matéria-prima de "Na Mira do Gordo", espetáculo de um homem só que Jô estréia nesta sexta no Tom Brasil - Nações Unidas. "Sou produtor, diretor, escritor e ator. Só não sou bilheteiro porque não entro na cabine", diz.
Negando-se a adiantar qualquer piada, Jô não quis contar nem aquela que envolve Lula.
Mas revelou que fica nervoso com a estréia ("A boca fica seca, vou colocar uma água no palco"), que tem pesadelos de ator ("Sonho que vou entrar em cena e esqueci o texto") e que não volta a fazer os personagens que marcaram a TV brasileira nos anos 70 e 80 ("Esgotou").
Abaixo, trechos da entrevista que Jô concedeu na quinta-feira, na biblioteca de sua casa.

Folha - Em seu novo show teatral há quadros como o homem no avião, o homem no supermercado etc. Mas, Jô, você frequenta supermercados?
Jô Soares-
Vou! É claro que eu vou a supermercados (risos). Aqui no Brasil eu vou menos. Mas costumo brincar que supermercado no Brasil é muito melhor que nos Estados Unidos. Aqui as pessoas me vêem e já trazem os produtos. "Leva isso aqui, Jô. O que mais você quer?"

Folha - Como é esse seu novo espetáculo?
Jô -
A idéia é falar do homem e das coisas que o cercam, mas sempre o atrapalham. Como, por exemplo, o videoclube. Nunca tem o filme que a gente quer; é um muro das lamentações.

Folha - Como as piadas chegam? Quando você anda na rua, todo mundo te conta a última?
Jô -
Nem sempre. Às vezes, sim. E eventualmente são aproveitadas. Eu conheço muitas piadas, mas acontecem coisas curiosas. Entrevistei o pessoal do Grupo Tapa essa semana e um deles contou umas seis piadas. Eu não conhecia nenhuma! Veja como é impressionante o número de piadas que circula pelo mundo.

Folha - Mas você deveria conhecer todas? Quantas você sabe?
Jô -
Ihhh... Muitas.

Folha - Mil? Duas mil?
Jô -
Ah, não. Muito mais.

Folha - Dez mil?
Jô -
Umas 30 mil ou 40 mil.

Folha - De cabeça?
Jô -
O nosso HD [disco que armazena informações no computador] é muito vasto. Por associação de idéias, quando alguém fala alguma coisa, esse gatilho vai buscar. Sabendo qual é o gancho, é difícil esquecer uma piada.

Folha - Então conta uma do show. Tem alguma do Lula?
Jô -
Tem o desfecho de um número com ele.

Folha - Conta aí.
Jô -
Ah, não posso. Ou, em vez de ir ao show, vão ficar lendo jornal em casa.

Folha - Mas tem política?
Jô -
Uma visão geral sobre as coisas da política. E o show tem uma janela onde é permitido falar de atualidade.

Folha -Tem crítica ao governo?
Jô -
Poderá eventualmente entrar. No momento, não tem.

Folha - Como você monta um show desses? A partir de um arquivo de piadas?
Jô -
Em geral os números surgem da observação cotidiana. Por exemplo, há mais de cinco anos eu não escrevia um show novo. Mas tudo o que me passava pela cabeça eu sapecava para dentro do computador, numa pasta chamada "show". Quando escrevi tudo, fiquei com umas seis horas de leitura seguida.

Folha - E como diminuiu?
Jô -
Primeiro faço uma depuração com meus assistentes de direção, Alexandre Régis e o Cássio Brasil. Aí cai para três horas. Depois reúno uma porção de amigos e distribuo papéis para eles darem notas para cada quadro. No começo ninguém quer dar nota. "Tá tudo ótimo! Tá tudo ótimo!", dizem. Mas aí eles começam a discutir entre si e eu percebo as preferências.

Folha - Você fez muitos personagens marcantes na TV, como o Capitão Gay ou o "Vai pra casa, Padilha". Não tem vontade de voltar a fazer algo assim?
Jô -
Não, porque acho que tudo tem o seu tempo. Chega uma hora em que os personagens vão ficando com a mesma cara... É um esquema que, para mim, se esgotou. Já no meu programa atual, posso fazer qualquer coisa.

Folha - Você cansou?
Jô -
Eu tenho que fazer com muito prazer, me divertindo. E hoje não me divertiria fazendo um programa com personagens.

Folha - Então não volta a fazer?
Jô -
Não. Seria como dar um pulo para trás.

Folha - Qual daqueles personagens você prefere?
Jô -
Tem alguns que eu percebo que eram absolutamente circunstanciais ao momento, como o paranóico que, quando ouvia uma palavra que ligasse com ditadura, falava "Não me comprometa!". Outros cabem em qualquer situação, como a cantora Norminha, a aeromoça medrosa, o Gardelon ou o dentista tarado, que eu adorava fazer. O "Jornal do Gordo", com o Paulo Silvino, um jornal para pessoas mais ou menos surdas... Enfim, esses que não têm época são os meus preferidos. Quando passo no telão do programa, a platéia se libera de rir. E quando passo esses vinculados a uma época, não rende tanto. As referências já ficaram lá para trás.

Folha - E após quase 15 anos fazendo "talk show" não sente que o formato esgotou?
Jô -
No momento, não. A cada ano temos uma porção de novidades. Desde cenários, as brincadeiras com o Alex, quadros como "A Música Desconhecida", antes teve o "Piscou, Dançou", o "Momento da Fama", o "Sobe no Caixote". De um bate-papo entre duas pessoas você não cansa nunca. O ser humano adora falar e ouvir. Para mim não tem melhor divertimento do que uma boa conversa.


NA MIRA DO GORDO. Texto, direção e interpretação: Jô Soares. Onde: Tom Brasil - Nações Unidas (r. Bragança Paulista, 1.281, tel. 0/xx/11/5644-9800). Quando: sex. e sáb., às 22h; dom., às 20h. Quanto: de R$ 30 a R$ 60. Estac. c/ manob. (R$ 15).


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