São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2006

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Diretora paraguaia "reinaugura" o cinema

Paz Encina filma o primeiro longa do país em 28 anos; filme é premiado em Cannes

"Hamaca Paraguaya" traz casal cujo filho parte para a guerra contra a Bolívia (35); diretora diz querer mostrar a "situação atual e eterna"


DA REPORTAGEM LOCAL

Dirigido por uma mulher no Paraguai -país que há 28 anos não produzia um longa-, ambientado em 1935 e (pouco) falado em guarani, já que quase não tem diálogos, "Hamaca Paraguaya" (rede paraguaia) chegou no mês passado ao Festival de Cannes como um objeto audiovisual não-identificado.
Saiu de lá com o prêmio da crítica de melhor filme da mostra Um Certo Olhar.
O longa mostra a convivência de um casal já próximo da velhice e em dúvida sobre a sobrevivência de seu único filho, que havia ido lutar na guerra contra a Bolívia pela posse do Chaco, ocorrida entre 1932 e 1935.
Em seu caderno de anotações distribuído aos 4.000 jornalistas credenciados em Cannes, a cineasta paraguaia Paz Encina assinalava: "O Paraguai não possui indústria cinematográfica. Não há laboratório nem representante da Kodak, assim como produtoras ou fundos para o cinema, o que freia bastante o desejo de fazer um filme".
Aos 34, a diretora fez questão de demarcar também a distância entre "Hamaca Paraguaya" e seu antecessor mais imediato, "Cerro Corá" (1978), de Guillermo Vera.

Stroessner
"O último filme realizado e lançado nos cinemas no Paraguai é baseado na guerra da Tríplice Aliança e foi inteiramente aprovado pelo regime ditatorial do presidente Alfredo Stroessner [cujos filhos atuam no título]. Em sua introdução, ele não deixa de exprimir um profundo agradecimento ao "grande líder" e ao que sua administração fez pela cultura do país", diz.
De volta a Assunção, a capital paraguaia, Encina disse à Folha esperar que o reconhecimento internacional de seu filme tenha repercussão dentro do país e ajude a fazer ressurgir a indústria de cinema.
"Espero que depois de "Hamaca Paraguaya" possamos ter uma lei de cinema, que nos leve a ter um instituto, e que o Paraguai possa filmar de modo regular, ao menos alguns poucos filmes por ano", afirma.
A diretora diz não saber se "na realidade" sua vida e sua carreira mudam com um prêmio obtido na exacerbada vitrine que é Cannes, o mais importante festival internacional de cinema do planeta.
"Você chega de novo em casa e volta a encontrar as mesmas coisas, as goteiras nos dias de chuva, o carro que não pega, os almoços de família aos domingos", cita. Mas Encina abre espaço também para uma expectativa otimista. "Acho que algumas portas podem se abrir para o meu próximo filme, embora nunca se saiba."
Antes de partir para o novo projeto, em cujo roteiro trabalha "devagar", Encina pretende exibir seu longa de estréia nos cinemas do interior do Paraguai. "Vai ser bem trabalhoso e vou ter de buscar financiamento para isso também", diz.
Realizado com 624 mil (R$ 1,8 milhão), "Hamaca Paraguaya" contou com um pool de investidores internacionais, além do dinheiro reunido em seu país. Apóiam o projeto fundos de cinema da França, Suécia, Argentina, Espanha e Holanda.
Recorrer ao financiamento internacional foi a saída que Encina diz ter copiado dos cineastas argentinos, que viu trabalhar enquanto estudava cinema em Buenos Aires. "Simplesmente decidi fazer o mesmo que eles. Tentei olhar para a frente. Pensei: as coisas já estão como estão, vamos ver o que eu posso fazer com isso."
A diretora diz que "foi muito importante" para ela a decisão de voltar a viver no Paraguai. "Era como vir testar se é possível fazer cinema num país que não tem essa indústria", afirma. "Tentei simplesmente fazer, sem pensar."
Classificado pelo jornal francês "Le Monde" como a grande surpresa da mostra Um Certo Olhar, "Hamaca Paraguaya" é um filme estéril em características típicas das produções comerciais e próximo do chamado cinema de autor, com a subtração da ação e a ênfase nos tempos mortos.
A cineasta explica sua escolha como sendo a mais coerente com um olhar paraguaio e sua tradução para o mundo.
"Tentei mostrar como somos, qual é nossa situação atual e eterna. Pensei: se sou paraguaia, por que usar uma linguagem que não tem a ver comigo para contar uma história? Por que mostrar [os personagens] Cándida e Ramón como se fossem de "Senhor dos Anéis'?" (SILVANA ARANTES)


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