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Diretora paraguaia "reinaugura" o cinema
Paz Encina filma o primeiro longa do país em 28 anos; filme é premiado em Cannes
"Hamaca Paraguaya" traz casal cujo filho parte para a guerra contra a Bolívia (35); diretora diz querer mostrar a "situação atual e eterna"
DA REPORTAGEM LOCAL
Dirigido por uma mulher no
Paraguai -país que há 28 anos
não produzia um longa-, ambientado em 1935 e (pouco) falado em guarani, já que quase
não tem diálogos, "Hamaca Paraguaya" (rede paraguaia) chegou no mês passado ao Festival
de Cannes como um objeto audiovisual não-identificado.
Saiu de lá com o prêmio da
crítica de melhor filme da mostra Um Certo Olhar.
O longa mostra a convivência
de um casal já próximo da velhice e em dúvida sobre a sobrevivência de seu único filho, que
havia ido lutar na guerra contra
a Bolívia pela posse do Chaco,
ocorrida entre 1932 e 1935.
Em seu caderno de anotações distribuído aos 4.000 jornalistas credenciados em Cannes, a cineasta paraguaia Paz
Encina assinalava: "O Paraguai
não possui indústria cinematográfica. Não há laboratório nem
representante da Kodak, assim
como produtoras ou fundos para o cinema, o que freia bastante o desejo de fazer um filme".
Aos 34, a diretora fez questão
de demarcar também a distância entre "Hamaca Paraguaya"
e seu antecessor mais imediato,
"Cerro Corá" (1978), de Guillermo Vera.
Stroessner
"O último filme realizado e
lançado nos cinemas no Paraguai é baseado na guerra da Tríplice Aliança e foi inteiramente
aprovado pelo regime ditatorial
do presidente Alfredo Stroessner [cujos filhos atuam no título]. Em sua introdução, ele não
deixa de exprimir um profundo
agradecimento ao "grande líder" e ao que sua administração
fez pela cultura do país", diz.
De volta a Assunção, a capital
paraguaia, Encina disse à Folha esperar que o reconhecimento internacional de seu filme tenha repercussão dentro
do país e ajude a fazer ressurgir
a indústria de cinema.
"Espero que depois de "Hamaca Paraguaya" possamos ter
uma lei de cinema, que nos leve
a ter um instituto, e que o Paraguai possa filmar de modo regular, ao menos alguns poucos
filmes por ano", afirma.
A diretora diz não saber se
"na realidade" sua vida e sua
carreira mudam com um prêmio obtido na exacerbada vitrine que é Cannes, o mais importante festival internacional de
cinema do planeta.
"Você chega de novo em casa
e volta a encontrar as mesmas
coisas, as goteiras nos dias de
chuva, o carro que não pega, os
almoços de família aos domingos", cita. Mas Encina abre espaço também para uma expectativa otimista. "Acho que algumas portas podem se abrir para
o meu próximo filme, embora
nunca se saiba."
Antes de partir para o novo
projeto, em cujo roteiro trabalha "devagar", Encina pretende
exibir seu longa de estréia nos
cinemas do interior do Paraguai. "Vai ser bem trabalhoso e
vou ter de buscar financiamento para isso também", diz.
Realizado com 624 mil (R$
1,8 milhão), "Hamaca Paraguaya" contou com um pool de investidores internacionais, além
do dinheiro reunido em seu
país. Apóiam o projeto fundos
de cinema da França, Suécia,
Argentina, Espanha e Holanda.
Recorrer ao financiamento
internacional foi a saída que
Encina diz ter copiado dos cineastas argentinos, que viu trabalhar enquanto estudava cinema em Buenos Aires. "Simplesmente decidi fazer o mesmo que eles. Tentei olhar para
a frente. Pensei: as coisas já estão como estão, vamos ver o
que eu posso fazer com isso."
A diretora diz que "foi muito
importante" para ela a decisão
de voltar a viver no Paraguai.
"Era como vir testar se é possível fazer cinema num país que
não tem essa indústria", afirma. "Tentei simplesmente fazer, sem pensar."
Classificado pelo jornal francês "Le Monde" como a grande
surpresa da mostra Um Certo
Olhar, "Hamaca Paraguaya" é
um filme estéril em características típicas das produções comerciais e próximo do chamado cinema de autor, com a subtração da ação e a ênfase nos
tempos mortos.
A cineasta explica sua escolha como sendo a mais coerente com um olhar paraguaio e
sua tradução para o mundo.
"Tentei mostrar como somos, qual é nossa situação
atual e eterna. Pensei: se sou
paraguaia, por que usar uma
linguagem que não tem a ver
comigo para contar uma história? Por que mostrar [os personagens] Cándida e Ramón como se fossem de "Senhor dos
Anéis'?"
(SILVANA ARANTES)
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