São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Apu Gomes/Folha Imagem
Bruno Morais, Romulo Fróes e Guilherme Kastrup: com mais 15 músicos, formam o projeto Tudo de Novo

novo de novo

Sem lenço, documento ou sobrenome, seis músicos criam projeto para mostrar "o novo som da capital paulista"; no próximo domingo, eles se apresentam no auditório do Ibirapuera

É domingo à tarde em São Paulo e um rapaz, 20 e poucos anos, sobe uma rua de pedras no bairro da Pompéia, cantando baixo a letra interpretada por Nelson Cavaquinho: "Sempre só, eu vivo procurando alguém que sofra como eu também, mas não consigo achar ninguém... Sempre só e a vida vai seguindo assim. Não tenho quem tem dó de mim".

 

Ele aguarda três amigos que, no meio da rua, posam para a coluna. Os amigos, os mesmos Romulo Fróes, Guilherme Kastrup e Bruno Morais que há pouco ouviam o vinil de Nelson Cavaquinho na sala, serão, em breve, os nomes dos próximos discos da vitrola.

 

Os três não estão "sempre sós": com mais 15 músicos, todos da nova geração, acabam de criar uma espécie de movimento em São Paulo -o Tudo de Novo. Funciona assim: quase todos estão gravando, não têm grandes patrocinadores e, claro, bancam seus projetos, têm referências não menos importantes que, por exemplo, a de Nelson Cavaquinho, movimentam a noite musical de SP e... "a gente ia acabar brigando, tava criando mágoa".

 

Romulo Fróes se explica: "Era ligar pra um cara e ele tava no estúdio com outro. Era então convidar pra tocar bateria no seu disco e ele tava ocupado com o disco do outro. Que p... é essa? Era melhor se unir pra não brigar!".

 

O grupo integra a elite das bandas da nova cena musical da cidade. O baterista Curumin acaba de lançar disco solo, tocou com Céu, Romulo Fróes e Guizado; Bruno Morais, cantor, está gravando o segundo disco e tem como baterista Kastrup, que tocou com Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhotto; Andreia Dias lançou o primeiro disco, é cantora da banda Dona Zica; Guilherme Mendonça, o Guizado, acaba de lançar CD; Romulo Fróes tem como parceiro o artista plástico Nuno Ramos e está gravando o 3º disco; e Cidadão Instigado, banda liderada por Fernando Catatau, que já tocou com Otto e Vanessa da Mata. "Você precisa de um organograma pra entender a confusão", diz Romulo.

 

A "confusão" começou para subir ao palco do Auditório Ibirapuera no próximo domingo, 22. O espaço, com 800 lugares, projetado por Oscar Niemeyer, é bem diferente do que a turma costuma freqüentar, como as baladas Studio SP e Grazie a Dio. "Ah, cara, eu não quero ser alternativo. Underground é uma m...! A gente quer chegar ao público. E isso evoluiu muito. Se fosse nos anos 80, a gente ia tocar no Madame Satã", diz Kastrup. Romulo diz: "Eu vou tocar no palco que o João Gilberto tocou, cara!".

 

O palco é o mesmo, as condições são outras. Romulo e todos os outros músicos não têm gravadora, não tentam recursos em leis de incentivo e, por isso, criam, digamos, seu próprio fomento.

 

Em tempos de gravar disco, Romulo, por exemplo, vira marchand de artes plásticas. "Pego uma tela do Nuno [Ramos, artista plástico, do qual é assistente e parceiro em composições], aviso a galeria dele, procuro um colecionador e vendo pela metade do preço", conta. "É uma grana... Muito mais fácil que entrar em edital, Petrobras, essas coisas."

 

Já Bruno Morais até tentou um edital, mas... "aprovaram R$ 100 mil e eu não consegui captar". "Ah, cara, se eu fosse da Natura, eu não ia dar grana pra mim. Ia dar pra Marisa Monte mesmo", diz Romulo. "E a gente nem chega às gravadoras. Manda o projeto e eles nem ligam", completa.

 

Mas o caminho funciona, por exemplo, para novos músicos como a cantora Mariana Aydar, filha de Mario Manga e Bia Aydar, que lançou disco pela Universal. "Pois é."

 

Sem lei, sem artes plásticas, lenço ou documento, Fernando Catatau, líder do Cidadão Instigado que canta o refrão "Imagine o pobre dos dentes de ouro?", banca os discos vendendo o que tem. "Rapaz, eu vendo amplificador, guitarra... Eu tenho umas 12 e vou vendendo."

 

No estúdio em que ele está gravando o terceiro disco, a iluminação é avermelhada e há um cheiro de incenso no ar. Durante uma semana, ele e a banda ficarão trancados para terminar a gravação -que custa R$ 12 mil. "Toco com o Otto, vendo minhas guitarras e dá certo", diz.

 

Catatau deixou Fortaleza rumo à capital com a "ilusão que todo nordestino tem de que vai trabalhar aqui. O que, no fim, é verdade". "Rapaz, eu não ligo pra isso de não ter gravadora, não. A gente sabe as mazelas que têm. Pra mim, tá massa. Não acredito em movimento nem aqui nem em outro lugar. Cada um está fazendo seu trabalho. Eu me sinto numa cidade pequena, do interior. Você conhece muita gente e todo mundo tá produzindo. É isso".

 

Romulo também prefere não chamar o Tudo de Novo de movimento: "Existiu mangue beat, tropicália, que eram, de fato, movimentos. No nosso caso, a gente percebeu que tava todo mundo criando muito, mas ninguém disse: "vamos fundar um movimento". É só um recorte do que está acontecendo. Tudo muito natural".

 

O movimento, ops!, projeto será transformado em documentário pela produtora Kinoarte, com imagens das gravações em estúdio e do show no dia 22. "A gente tá com a faca e o queijo na mão", diz Romulo. "Ninguém precisa se render ao mercado. É do jeito que eu quero? Não? Tá bom, eu continuo cantando do meu jeito."


Reportagem AUDREY FURLANETO


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