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Superpoderoso da Moda
Sócio da Inbrands e presidente da Ellus, Nelson Alvarenga diz que estilistas são "meio preguiçosos" e que as datas das fashion weeks no país estão erradas
Patrícia Stavis/Folha Imagem
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O empresário e estilista Nelson Alvarenga
no jardim da fábrica Ellus, em SP
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
A holding Inbrands tornou-se, nos últimos tempos, uma invejada organização de moda no
Brasil. É ela que controla as grifes Ellus, 2nd Floor, Alexandre
Herchcovitch, Herchcovitch
Jeans e Isabela Capeto, além de
comandar, por meio da empresa Luminosidade (cujo sócio é
Paulo Borges), as duas principais semanas de moda: o Fa-shion Rio e a São Paulo Fashion
Week, que começa hoje .
Mas quem controla a Inbrands? De um lado, com 50%
do capital da holding, estão os
69 sócios do Banco Pactual. De
outro, com iguais 50%, está o
estilista e empresário Nelson
Alvarenga, que é também presidente do conselho da Ellus, empresa que faturou em 2008 cerca de R$ 300 milhões.
Em outras palavras, e feitas
as contas, Alvarenga, 59, é
atualmente o homem mais poderoso da moda brasileira.
Além disso, é o único dos pioneiros do jeanswear no país que
sobreviveu com sua própria
empresa, após Renato Kherlakian vender a Zoomp, e Tufi
Duek, a Forum. Qual é o segredo de Alvarenga? "Sou mineirinho, né?", ele responde.
Nascido em Formiga (MG), o
empresário começou sua carreira aos 16 anos na contabilidade da extinta grife Gledson.
Em 1972, criou a Ellus, uma das
raras empresas de moda no
país com mais de 35 anos e cujas coleções são atualmente desenhadas pela estilista Adriana
Bozon, mulher do empresário.
No último mês, Alvarenga
inaugurou a loja Ellus and
Guests (Ellus e Convidados),
uma multimarcas sofisticada.
Na vida social, o empresário
costuma ser mais discreto que
os seus colegas fashionistas,
mas em conversas é bem mais
eloquente e franco.
Na entrevista a seguir, feita
na fábrica da Ellus, Alvarenga
lança uma série de torpedos:
diz que a moda brasileira ainda
está na adolescência e precisa
de gente mais bem preparada
intelectualmente, que as grifes
nacionais continuam a copiar
as estrangeiras, que os estilistas
"normalmente são meio preguiçosos" e, destemido, afirma
que as datas de realização das
semanas de moda no país estão
"totalmente" erradas.
FOLHA - Por que a roupa com design ainda é cara no país?
NELSON ALVARENGA - Por causa
do custo Brasil. Temos uma das
maiores taxas tributárias, um
dos juros mais altos do mundo
e existe muito desperdício, por
razões culturais. Na construção
civil, por exemplo, o desperdício no Brasil está em torno de
35%, contra 4% nos EUA.
FOLHA - Desperdício de matéria-prima e tempo de trabalho?
ALVARENGA - Desperdício de tudo, falta de racionalização, de
inteligência, porque a questão
de formação da gestão e da
mão-de-obra é fundamental.
FOLHA - Onde ocorre sobretudo o
desperdício na moda?
ALVARENGA - De mil jeitos. Você
já começa a desperdiçar com o
nosso calendário de moda, que
é totalmente errado.
FOLHA - As datas de realização dos
desfiles estão erradas?
ALVARENGA - Estão. No exterior, entre a realização dos desfiles e o embarque das mercadorias para os compradores
transcorrem cerca de cinco
meses. É um bom tempo para
organizar a logística da produção e da distribuição. Aqui, os
desfiles de inverno, por exemplo, são feitos em janeiro, e as
mercadorias têm que ser entregues no mês seguinte, porque
em 1º de março o lojista já quer
uma vitrine linda de inverno.
Quem tem bola de cristal para saber, com coleções gigantescas, qual vai ser o mix de
produtos que os lojistas vão
querer? Você é obrigado a fazer
um monte de chutes de antecipação de produtos, que geram
sobras enormes e desperdícios.
FOLHA - Por que não mudam o calendário dos desfiles?
ALVARENGA - Porque tudo isso é
decidido como no Congresso
Nacional, onde o voto de Sergipe vale igual ao voto de São
Paulo. A escolha é feita por
maioria simples, e a maioria
das marcas do calendário de
moda não tem uma estrutura
que precise de logística de produção, é formada por empresas
muito pequenas, que acham
que o fato de postergar a lição
de casa vai torná-la mais fácil.
FOLHA - Com a Inbrands no controle da SPFW e do Fashion Rio, esse calendário pode mudar?
ALVARENGA - Paulo Borges está
trabalhando com as pessoas.
Estamos lutando por isso há
muito tempo, para dar mais
saúde aos negócios da moda
brasileira. Do contrário, todo
mundo vai quebrar. Esse calendário é inviável, é uma herança
da era da inflação, quando as
pessoas compravam muito
pouco e tudo era produzido e
vendido muito rapidamente.
FOLHA - Que outros problemas o
sr. vê na indústria de moda no país?
ALVARENGA - O negócio da moda no Brasil, em comparação a
outros setores, como o automobilístico, ainda está na adolescência. Só com pessoas com outro nível intelectual e com outra mentalidade é que o país será mais competitivo e terá, inclusive, a chance de poder exportar, de se tornar um "player" no mercado internacional.
Além do custo Brasil e dos
desperdícios, não temos também uma tradição de design de
moda, como na Itália. O Brasil
tem tradição de futebol, de
bunda, de outras coisas...
FOLHA - A moda brasileira ainda
copia muito a estrangeira?
ALVARENGA - Ah, copia. Por isso
mesmo as pessoas ficam retardando o lançamento das coleções, pois têm a esperança de
ver até o último desfile da alta
costura da semana passada, em
Paris. É uma atitude juvenil. É
preciso desmamar, buscar o
seu estilo. Se você acha que é
criativo e tem autoria, não precisa ficar dependendo do que é
feito lá fora. É claro que as influências hoje são globais na
comunicação, mas não são dois
ou três meses que mudarão as
coisas, se você tem a sua linha
de conduta e o seu eixo de pensamento já formado, em termos de estilo e identidade.
FOLHA - Mas roupa com identidade forte vende bem no Brasil?
ALVARENGA - Você só tem duas
formas de vender: ou preço ou
identidade. O que o mundo respeita é isso. O meio termo não
quer dizer nada. Precisamos
acertar, então, os nossos calendários e atrair para os negócios
pessoas mais bem preparadas.
Na moda brasileira, ainda tem
aquela coisa de o estilista dizer:
"A mamãe acha que eu tenho
bom gosto, que eu sou genial".
Não é bem assim. Para tudo que
você faz na vida, tem que ter
conteúdo e preparo. O estilista,
o suposto ou pretenso artista
-pois você tem que questionar
a legitimidade de tudo-, normalmente é meio prepotente e
meio preguiçoso. Ele não gosta
de por a mão na massa. Tem
muitos desse tipo no Brasil.
FOLHA - Como conciliar a criatividade do estilista e os interesses comerciais do empresário?
ALVARENGA - Há muito o que se
trabalhar dos dois lados, seja do
investidor, seja do estilista. As
coisas lá fora já estão mudando.
As empresas têm dado muito
foco aos resultados obtidos pelo estilista. Ele precisa agora
criar a coleção e acompanhar o
negócio até o resultado final
das vendas. Não fica mais numa
bolha utópica. Tem que saber
que está criando para o consumo. As pessoas mais inconsequentes nesse aspecto estão ficando isoladas, pois vivemos
num mundo de resultados.
FOLHA - O que mais o sr. mudaria
nas semanas de moda brasileiras?
ALVARENGA - Estamos numa fase de transição no mundo todo.
Nos anos 90, o frisson era
maior em relação aos desfiles.
Hoje, não tem a mesma intensidade. Mesmo porque, de fato,
lançamos as coleções e chamamos os clientes para o show-room bem antes dos desfiles.
A semana de moda deveria
ter a função de ser um lançamento para o lojista. Mas isso
está deixando de acontecer.
Ainda mais porque ele sente
que os desfiles estão ficando
muito distantes da vida real.
Nós temos consciência disso.
Se a gente quer ser o calendário
oficial da moda brasileira [com
a SPFW e o Fashion Rio], temos que ir consertando aos
poucos e voltar para o objetivo,
que é trazer o dono da loja. Ele é
público-alvo dos desfiles, juntamente com a imprensa.
FOLHA - As marcas da Inbrands tiveram queda de vendas com a crise?
ALVARENGA - Tivemos pequena
queda nas multimarcas, porque
o interior ficou muito assustado no final do ano passado com
a redução no preço das commodities agrícolas e minerais.
FOLHA - Quanto representa para a
Ellus a venda em multimarcas do interior do país?
ALVARENGA - Representa 70%
de nossas vendas. O restante
vem das nossas lojas próprias.
É uma ilusão achar que a moda
está concentrada nas grandes
cidades. Isso não ocorre em nenhum lugar do mundo. As metrópoles podem ser formadoras
de opinião, mas elas não são
sustentadoras. Há uma riqueza
fabulosa surgindo em toda parte no Brasil, quanto mais o país
fica eficaz em agrobusiness.
Escolhemos a melhor loja
multimarcas de cada cidade para torná-la um revendedor autorizado. Se não fizermos isso,
viraremos artesãos. Ainda mais
que as grandes companhias estrangeiras, as Zaras da vida, já
estão de olho no nosso mercado
interno e certamente virão para o país. Se não estivermos
musculosos o suficiente, se não
nos modernizarmos e ganharmos tamanho e competitividade, nós vamos desaparecer.
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