São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009

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Crítica/"Zii e Zie" em São Paulo

Caetano alterna contenção e anarquia

Em show, novas músicas do disco "Zii e Zie" vão da precisão milimétrica na distribuição dos acordes à confusão sonora

GUILHERME WERNECK
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pode até ter sido coincidência, mas fez todo o sentido estrear o show "Zii e Zie" no Credicard Hall em São Paulo numa noite gelada de namorados, no meio de um feriado em que a cidade fervia com o fim da gestação da Parada do Orgulho GLBT.
Mais até do que no disco "tios e tias", Caetano Veloso brinca o tempo todo com signos do masculino e do feminino durante o espetáculo. Em um jogo que funciona como um discurso político efetivo justamente porque se desprende de qualquer tentativa discursiva, de fazer uma política outra que não a do prazer. Esse embaralhamento de gêneros cresce no show em músicas do "Zii e Zie", como "Tarado ni Você" e "Menina da Ria", só para citar duas com pólos trocados, até chegar ao ápice numa versão rascante de "Eu Sou Neguinha", a última antes do bis, que teve "Três Travestis", desta vez sem citar o Fenômeno do Corinthians.
Essa política privada do prazer passa também por tocar rock com a BandaCê e revisitar o projeto de modernidade do fim dos anos 60. A conexão é estabelecida já na primeira música do show, "A Voz do Morto", e segue por "Não Identificado", "Irene" e "Maria Bethânia", esta última dedicada ao dramaturgo Augusto Boal, que morreu no último mês de maio: "Foi em São Paulo que ele [Boal] fez o melhor de seu trabalho e Bethânia e eu aprendemos com ele".

Dinâmica nervosa
Nessas músicas, a banda formada por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e Rhodes) e Marcelo Callado (bateria) se solta. É um contraste bem interessante com as composições de agora, bem mais cubistas, fraturadas, com uma dinâmica mais nervosa.
No show fica claro o quanto há de textura e uso inteligente do espaço nas composições do disco, quase todas no set list da estreia. É notável como elas alternam momentos de extrema contenção, em que há uma precisão milimétrica na distribuição dos acordes -similar a de um Battles, por exemplo-, com momentos de pura anarquia sonora: solos, feedback e Caetano deixando a frente para sumir no meio da banda.
Há uma evolução grande em termos de composição e sonoridade em relação ao "Cê". Embora "Odeio" esteja no repertório, o show mostra um Caetano que está acima do ódio virulento, muitas vezes rancoroso do disco anterior. Em "Zii e Zie", o clima é de uma leve indecência, transgressora em sua aparente ingenuidade. No lugar da crise, está a liberdade e um bocado de solidão.
Para quem acha que a nova fase é roqueira demais, houve um tempero sábio na sexta: "Trem das Cores", "Aquele Frevo Axé", "Incompatibilidade de Gênios", as lindas versões para o tango "Volver", de Carlos Gardel, e para a guitarrada quase tecnobrega "Água", de Kassin. Sem falar no final emocionante com "Força Estranha", em homenagem a Roberto
Carlos.


Avaliação: ótimo


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