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Crítica/"Zii e Zie" em São Paulo
Caetano alterna contenção e anarquia
Em show, novas músicas do disco "Zii e Zie" vão da precisão milimétrica na distribuição dos acordes à confusão sonora
GUILHERME WERNECK
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pode até ter sido coincidência, mas fez todo o
sentido estrear o show
"Zii e Zie" no Credicard Hall
em São Paulo numa noite gelada de namorados, no meio de
um feriado em que a cidade fervia com o fim da gestação da Parada do Orgulho GLBT.
Mais até do que no disco "tios
e tias", Caetano Veloso brinca o
tempo todo com signos do masculino e do feminino durante o
espetáculo. Em um jogo que
funciona como um discurso político efetivo justamente porque se desprende de qualquer
tentativa discursiva, de fazer
uma política outra que não a do
prazer. Esse embaralhamento
de gêneros cresce no show em
músicas do "Zii e Zie", como
"Tarado ni Você" e "Menina da
Ria", só para citar duas com pólos trocados, até chegar ao ápice numa versão rascante de "Eu
Sou Neguinha", a última antes
do bis, que teve "Três Travestis", desta vez sem citar o Fenômeno do Corinthians.
Essa política privada do prazer passa também por tocar
rock com a BandaCê e revisitar
o projeto de modernidade do
fim dos anos 60. A conexão é estabelecida já na primeira música do show, "A Voz do Morto", e
segue por "Não Identificado",
"Irene" e "Maria Bethânia", esta última dedicada ao dramaturgo Augusto Boal, que morreu no último mês de maio:
"Foi em São Paulo que ele
[Boal] fez o melhor de seu trabalho e Bethânia e eu aprendemos com ele".
Dinâmica nervosa
Nessas músicas, a banda formada por Pedro Sá (guitarra),
Ricardo Dias Gomes (baixo e
Rhodes) e Marcelo Callado (bateria) se solta. É um contraste
bem interessante com as composições de agora, bem mais
cubistas, fraturadas, com uma
dinâmica mais nervosa.
No show fica claro o quanto
há de textura e uso inteligente
do espaço nas composições do
disco, quase todas no set list da
estreia. É notável como elas alternam momentos de extrema
contenção, em que há uma precisão milimétrica na distribuição dos acordes -similar a de
um Battles, por exemplo-,
com momentos de pura anarquia sonora: solos, feedback e
Caetano deixando a frente para
sumir no meio da banda.
Há uma evolução grande em
termos de composição e sonoridade em relação ao "Cê". Embora "Odeio" esteja no repertório, o show mostra um Caetano
que está acima do ódio virulento, muitas vezes rancoroso do
disco anterior. Em "Zii e Zie", o
clima é de uma leve indecência,
transgressora em sua aparente
ingenuidade. No lugar da crise,
está a liberdade e um bocado de
solidão.
Para quem acha que a nova
fase é roqueira demais, houve
um tempero sábio na sexta:
"Trem das Cores", "Aquele Frevo Axé", "Incompatibilidade de
Gênios", as lindas versões para
o tango "Volver", de Carlos
Gardel, e para a guitarrada quase tecnobrega "Água", de Kassin. Sem falar no final emocionante com "Força Estranha",
em homenagem a Roberto
Carlos.
Avaliação: ótimo
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