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CRÍTICA
CD radicaliza experiência de "Sobrevivendo no Inferno"
DA REDAÇÃO
S im, Mano Brown quer ser
um cara legal. É paternalista,
vê-se. Aconselha sempre que pode. Dá dura se preciso. Faz em disco, no atacado, o que lhe cobram
tanto no corpo-a-corpo, sussurrado ao pé do ouvido, à porta dos
shows, nos camarins.
É transposição para a cena urbana do "coroné" sem poder, do
pastor sem ovelhas. Não se trata
de ser doutrinário, embora a
questão política, suprapartidária,
esteja presente neste "Nada como
um Dia Após o Outro Dia".
Racionais faz, sobretudo, arte.
De quanto em quanto tempo ouve-se um disco que envolve, perturba e incita à revisão de posturas? Um disco que se oferece para
ser digerido aos poucos, cheio de
sutilezas, de pequenas sofisticações, em camadas. De quanto em
quanto tempo dorme-se com um
tema da letra na cabeça, em lugar
de um refrão?
Racionais é diversão, que dúvida. Mas não cede ao atacadão de
entretenimento que tomou conta
da produção, repleta de "parques
temáticos" do sobe-e-desce e do
rebola-bola. Está entre o melhor
do pouco que merece ser levado
em conta na era dos fenômenos
de valor estatístico.
O CD cobra a presença do ouvinte. Percorrido desatentamente, pode parecer alheio ao amadurecimento musical da nova geração do rap nacional, RappinHood, Xis e Sabotage à frente.
O disco é também exercício de
literatura. No conto, na crônica,
na poesia, Mano Brown, Ice Blue,
Edy Rock e KL Jay inscrevem-se
como escribas de seu tempo.
Racionais faz também cinema
sonoro. A dramaturgia das letras,
a força narrativa das histórias comuns, as derivações da situação
"palpável" para a imaginária. Tudo conspira em favor da imersão
do "leitor/espectador" musical.
É literatura, sim. É cinema, sim.
O suporte, diriam os artistas plásticos, é que é diverso. Nesse contexto é que se pode entender o minimalismo da trilha musical, alicerçado, na retaguarda, pela gente
antenada do Instituto. Concisa,
subterrânea, ela pontua, dá chão.
Embebida em groove (sem querer
fazer dançar) ou conduzida pela
melodia soul (sem incitar ao assovio), é tratada como cenário.
O CD radicaliza a experiência de
"Sobrevivendo no Inferno", matriz de tudo que se fez de relevante
desde então no rap nacional. "Sobrevivendo" foi pedra fundamental (guardado devido respeito aos
precursores Thaíde e DJ Hum); o
novo Racionais faz a pedra rolar.
(ISRAEL DO VALE)
Nada como um Dia Após o
Outro Dia
Artista: Racionais Mcs
Lançamento: Cosa Nostra/Zambia
Quanto: R$ 23,90
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