São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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CRÍTICA

CD radicaliza experiência de "Sobrevivendo no Inferno"

DA REDAÇÃO

S im, Mano Brown quer ser um cara legal. É paternalista, vê-se. Aconselha sempre que pode. Dá dura se preciso. Faz em disco, no atacado, o que lhe cobram tanto no corpo-a-corpo, sussurrado ao pé do ouvido, à porta dos shows, nos camarins.
É transposição para a cena urbana do "coroné" sem poder, do pastor sem ovelhas. Não se trata de ser doutrinário, embora a questão política, suprapartidária, esteja presente neste "Nada como um Dia Após o Outro Dia".
Racionais faz, sobretudo, arte. De quanto em quanto tempo ouve-se um disco que envolve, perturba e incita à revisão de posturas? Um disco que se oferece para ser digerido aos poucos, cheio de sutilezas, de pequenas sofisticações, em camadas. De quanto em quanto tempo dorme-se com um tema da letra na cabeça, em lugar de um refrão?
Racionais é diversão, que dúvida. Mas não cede ao atacadão de entretenimento que tomou conta da produção, repleta de "parques temáticos" do sobe-e-desce e do rebola-bola. Está entre o melhor do pouco que merece ser levado em conta na era dos fenômenos de valor estatístico.
O CD cobra a presença do ouvinte. Percorrido desatentamente, pode parecer alheio ao amadurecimento musical da nova geração do rap nacional, RappinHood, Xis e Sabotage à frente.
O disco é também exercício de literatura. No conto, na crônica, na poesia, Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay inscrevem-se como escribas de seu tempo.
Racionais faz também cinema sonoro. A dramaturgia das letras, a força narrativa das histórias comuns, as derivações da situação "palpável" para a imaginária. Tudo conspira em favor da imersão do "leitor/espectador" musical.
É literatura, sim. É cinema, sim. O suporte, diriam os artistas plásticos, é que é diverso. Nesse contexto é que se pode entender o minimalismo da trilha musical, alicerçado, na retaguarda, pela gente antenada do Instituto. Concisa, subterrânea, ela pontua, dá chão. Embebida em groove (sem querer fazer dançar) ou conduzida pela melodia soul (sem incitar ao assovio), é tratada como cenário.
O CD radicaliza a experiência de "Sobrevivendo no Inferno", matriz de tudo que se fez de relevante desde então no rap nacional. "Sobrevivendo" foi pedra fundamental (guardado devido respeito aos precursores Thaíde e DJ Hum); o novo Racionais faz a pedra rolar.
(ISRAEL DO VALE)


Nada como um Dia Após o Outro Dia
    
Artista: Racionais Mcs Lançamento: Cosa Nostra/Zambia Quanto: R$ 23,90




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