São Paulo, sábado, 15 de julho de 2006

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LIVROS

Crítica/romance

E. M. Forster compõe ode à liberdade

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

E. M. Forster se tornou conhecido do grande público, inclusive o brasileiro, graças às adaptações para as telas que cineastas requintados fizeram de seus principais romances, como "Passagem para a Índia", "Um Quarto com Vista", "Maurice" e "Retorno a Howard's End". Curiosamente, o escritor inglês, que morreu em 1970 aos 81 anos e não chegou a ver nenhum desses filmes, era extremamente cético em relação à possibilidade de transplantar com sucesso artístico livros para o teatro ou para o cinema. Mas o talento literário de Edward Morgan Forster merece ser conhecido na própria fonte. É o que se pode fazer agora com o lançamento de "Um Quarto com Vista", em primorosa tradução do crítico da Folha Marcelo Pen, pela Editora Globo. Este foi o terceiro romance que ele escreveu. Foi publicado em 1908 e é o mais otimista e bem-humorado de seus livros. A primeira parte da narrativa relata a viagem de uma jovem aristocrata inglesa a Florença, onde conhece um compatriota e se apaixona por ele, que no entanto não pertence à sua classe social. A segunda parte, em Surrey, Inglaterra, mostra o reencontro dos dois jovens que se haviam conhecido na Itália. Como em todo o seu trabalho, Forster aqui também faz uma descrição delicada mas profunda das contradições vividas na era eduardiana na Inglaterra. Questões que não emergiam com clareza nos tempos vitorianos, como sexualidade (extremamente reprimida nas gerações anteriores), choque de classes e socialismo, começavam a formar a agenda social do início do século 20, a prenunciar os grandes embates ideológicos e culturais das décadas de 1920, 30 e subseqüentes.
Idéias em confronto
Forster estava entre os grandes cronistas desse período, que foi ao mesmo tempo o apogeu e o início do fim do Império Britânico. Sua posição quanto às idéias em confronto fica explícita em "Um Quarto com Vista". Sua simpatia é totalmente entregue à jovem Lucy, que prefere assumir seu romance com George Emerson, filho de um socialista, a manter o noivado com Cecil Vyse, contra a expectativa da família e dos salões da nobreza. Essa atitude anticonservadora também se manifesta na maneira como o autor retrata os italianos como símbolos da liberdade de expressão e da abertura de mente em contraponto aos ingleses, sempre mais fechados e antipáticos a quaisquer novidades. Cem anos atrás, era comum que ingleses visitassem a Itália com o objetivo de obter mais familiaridade com as obras-primas do Renascimento e para poder se exibir nos salões de Londres com mais lustro cultural. Mas poucos entravam em contato com os valores da cultura italiana. Ao contrário, a maioria viajava em grupos homogêneos, alugava vilas ou pensões inteiras para eles, olhava com desprezo os emocionais e barulhentos italianos e retornava à pátria intocada. Forster viveu alguns anos na Itália e, ao contrário de seus compatriotas, deixou-se influenciar pelo país, assim como pela Índia, onde também morou. Seu amor e admiração pela Itália transparecem nesse livro, em que critica com sutileza os ingleses da época e constrói uma pequena mas primorosa ode à liberdade.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas.

UM QUARTO COM VISTA
   
Autor: E. M. Forster
Tradução: Marcelo Pen
Editora: Globo
Quanto: R$ 39 (288 págs.)


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